São Paulo, terça-feira, 5 de julho de 1994
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Código de Ética do Servidor Público

MODESTO CARVALHOSA

Não obstante o absoluto silêncio da imprensa paulista sobre o assunto título deste artigo, contrastando com o grande destaque dado pela imprensa carioca, dos Estados e de Brasília, foi assinado pelo presidente Itamar Franco, no dia 21 deste em cerimônia do Palácio do Planalto, com a presença dos presidentes do STF, da Câmara, e dos ministros, o Código de Ética do Servidor Público Federal.
A importância histórica, e por isso permanente, desse documento não foi entre nós paulistas divulgada, seja pela prioridade da Copa, seja pelos mexericos dos candidatos, que ocupam todas as páginas dos jornais, seja ainda e principalmente pelo nosso regionalismo pouco interessado em assuntos que se voltam para a longa construção da cidadania brasileira.
Assim, este é o veículo jornalístico encontrado para noticiar a criação daquele Código, que passa a orientar, além da regra fria da lei imposta, a redignificação do serviço público e o reencontro da melhor conduta dos servidores frente a cidadania brasileira.
A sua elaboração deveu-se à Comissão Especial da Administração Pública, criada em fevereiro último pelo presidente Itamar Franco e que presidida pelo ministro Romildo Cahim, teve ainda a entusiástica colaboração da Ordem dos Advogados do Brasil.
O Código de Ética do Serviço Público Federal tem como vocação constituir-se num instrumento duradouro e constante de conscientização dos deveres de solidariedade e dedicação dos servidores perante seus irmãos brasileiros, além e acima de suas obrigações de ordem estritamente legal.
Apresenta esse precioso instrumento algumas vertentes fundamentais, dentre as quais se destaca a da conduta condizente no exercício das funções públicas, fundada não na coercibilidade jurídica, mas na vontade do próprio agente, em decorrência da conscientização interior de cada um, o que pressupõe um sentimento de liberdade.
A conduta ética será, assim, desejada e escolhida consoante os valores constantes do Código, passando o servidor a conduzir-se como juiz de si mesmo, como instância própria, iniludível e irrecusável.
A partir daí a obrigação moral apresenta-se como a determinação do comportamento do funcionário, orientando-o na direção do precípuo respeito a sua própria cidadania e à cidadania dos usuários.
A obrigação moral passa a constituir um patrimônio da comunidade. Quando desprezada por um servidor, acarreta a declaração de censura do grupo, cujo efeito é o de tornar conhecido que a conduta antiética não se coaduna com os valores a que a coletividade dos seus colegas aderiu.
Mas sobretudo o Código de Ética ora promulgado pelo presidente da República leva em conta que a consciência moral e a consequente obrigação moral são produtos históricos e não universais.
Nesse contexto, as relações entre usuários e jurisdicionados e os agentes do poder no Brasil deterioraram-se de maneira dramática, à medida que são largamente desrespeitados os direitos da cidadania nesse particular. Ao precário atendimento material, acresce a maneira indigna e desumana que, em muitos setores, são tratadas as pessoas; conduta essa que se caracteriza pelo descaso, desídia, iniquidade, desumanidade, insensibilidade e falta de caridade para com nossos irmãos brasileiros.
Quanto mais pobre, mais preto, mais idoso, mais iletrado, mais carente, mais necessitado, pior o atendimento em setores fundamentais, como a saúde, a educação, a segurança, os transportes e a seguridade social.
O trato descuidado e todas as mazelas e humilhações por que passam milhares de brasileiros, diariamente, são notórios, constituindo uma chaga social que, desnecessariamente, vem se acrescentar as carências materiais da população, numa clara afronta à sua dignidade.
O Código de Ética do Servidor procura, em consequência, conscientizar a cidadania sobre seus direitos face aos serviços públicos.
Para tanto, o documento procura trazer plena consciência ao servidor de que o mau atendimento acarreta ao cidadão grave dano moral.
A perda da razão de ser e das finalidades dos serviços públicos foi gradativa, acompanhando a decadência do respeito à autoridade, e o desestímulo oriundo da corrupção generalizada. A esses fenômenos se acrescenta o surgimento de um corporativismo opressor, que deseduca e faz desparecer a noção do servir, para concentrar toda a atenção, toda a inventidade e toda a energia e dedicação nas reivindicações funcionais, que, embora justificáveis, fazem com que sejam esquecidas as atividades-fins para as quais foram criados e existem os serviços públicos.
E para o bom êxito dessa tão oportuna medida, a Escola Nacional de Administração Pública irá publicar uma cartilha esclarecedora dos pontos fundamentais do documento, para que deles conheçam e se conscientizem tanto os cidadãos servidores como os cidadãos usuários.
Essa evangelização missionária será a forma de implantação de uma consciência ética capaz de resgatar, nesse fundamental setor da vida brasileira, a dignidade de sua cidadania.

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