São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Zagalo quer tetra por 1 a 0 com gol de mão

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

O brasileiro Mário Jorge Lobo Zagalo, 62, espera sair hoje do estádio Rose Bowl como o primeiro homem na história a conquistar quatro títulos mundiais de futebol.
Campeão como jogador nas Copas do Mundo de 58 e 62 e como treinador em 70, agora ele é coordenador técnico –uma espécie de conselheiro do técnico Carlos Alberto Parreira.
Zagalo viveu excitado a última semana, bradando o bordão "eles vão ter que me engolir" –referência aos críticos que o chamam de "retranqueiro" (adepto de futebol acentuadamente defensivo).
Até a recém-lançada edição da revista oficial da Confederação Brasileira de Futebol ("CBF News" número 24) o qualifica como retranqueiro em artigo sobre a seleção da Copa de 74, dirigida por ele, intitulado "1974 - A Retranca não funcionou".
Depois do Mundial, Zagalo quer retomar sua carreira de técnico, talvez na própria seleção. Enquanto não decide seu futuro, continua com sua palavra-de-ordem: "Eles vão ter que me engolir."

Folha - O senhor é muito supersticioso. O que acha da possível conquista do tetra contra a seleção com a qual o Brasil decidiu o tri na Copa do Mundo de 70?
Mário Lobo Zagalo - Eu me antecipei. Sempre falei que a final seria entre tricampeões. Só que previa a Alemanha como adversária. Mas na minha cabeça os finalistas seriam candidatos ao tetra.
Folha - Por que a Alemanha?
Zagalo - Pelo que ela representou nos últimos anos. A Itália chegou aos tropeços. Nunca uma seleção européia venceu uma Copa na América. Que seja assim de novo.
Que os ventos do México, onde fomos tricampeões, iluminem a nossa nova vitória.
Folha - Qual é a maior qualidade brasileira?
Zagalo - É a personalidade. Sinto cheiro de vitória. Quero ganhar de 1 a 0 com gol de mão.
Folha - O senhor já sonhou com a conquista do tetra?
Zagalo - Não sonhei, mas estou convicto. Somos predestinados, está escrito, confio.
Folha - Quem foram os jogadores mais importantes para o Brasil chegar até a final em 94?
Zagalo - Não gosto de falar de um ou outro, mas os dois pontas-de-lança, Bebeto e Romário, foram fundamentais.
Folha - Como foi a noite que antecedeu a final de 70?
Zagalo - Eu sou um cara tranquilo, dormi muito tranquilo. Dividia quarto com o Chirol (Admildo, preparador-físico). Antes de eu dormir, ele perguntou se a luz acesa não me incomodaria. Claro que não, disse. Então ele falou que nunca tinha visto um cara tão tranquilo.
Folha - Naquela época o senhor já era chamado de retranqueiro.
Zagalo - Fui burro em 70, sou burro em 94. Mas não reclamo.
Folha - Qual a maior recordação de 70?
Zagalo - A do intervalo do jogo com o Uruguai é inesquecível. Estávamos perdendo e saí do normal. Em vez de falar em respeito ao adversário, disse que os uruguaios tinham um time de merda, que não era de nada. Motivei os jogadores. Ganhamos por 2 a 1.
Folha - O senhor tem um ritual especial para dia de jogo?
Zagalo - Não. Hoje, como sempre, vou acordar às 7h e fazer a barba. Quando desço para o café, estão lá o Mauro Pompeu (médico) e o Claudionor (Delgado, fisioterapeuta). Às vezes o Dunga também. Ele é madrugador.
Folha - O senhor passou a última semana desabafando. Por quê?
Zagalo - Porque sou o primeiro cara no mundo a ficar entre os quatro primeiros colocados em cinco Copas. A chegar a quatro finais. Se ninguém faz, eu faço a minha propaganda. É um recorde, é inédito. Vão ter que me engolir.
Folha - Como o senhor comemorou o tri na Copa de 70?
Zagalo - Chorei muito, os jogadores me carregaram. Agora estou calejado, não sei como será. No fim daquele jogo o Pelé me abraçou no vestiário e disse: "Precisávamos estar juntos para comemorar esse tri."
Então me olhei no espelho e pensei que não era eu. Estava desfigurado, com olho fundo. Lembrei-me do filme "O Retrato de Dorian Gray", em que a personagem envelhecia no espelho.
Mas o fato é que agora estou ganhando um título de novo. E eles vão ter que me engolir.

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