São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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A função do óxido nítrico

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gás tóxico e incolor cujas moléculas são formadas pela ligação de um átomo de nitrogênio a um de oxigênio, o óxido nítrico tornou-se nos últimos tempos uma das substâncias mais pesquisadas da farmacologia, pelas ações reguladoras que exerce no organismo.
Entre suas funções figuram a de baixar a pressão arterial pelo afrouxamento da parede muscular dos vasos, a de participar das contrações normais do tubo gastrintestinal e da ereção do pênis, a de combater e destruir micróbios e, talvez mais importante de todas, a de servir como neurotransmissor cerebral.
Essa história toda começou na década de 80. A partir de então ficou se conhecendo a ação relaxadora sobre os vasos. Robert Furchgott, da Universidade do Estado de Nova York, demonstrou que essa ação era devida a alguma substância secretada pelas células que formam os vasos por dentro (endoteliais).
A descoberta despertou muito interesse e diversos pesquisadores se empenharam em descobrir a natureza da substância, que passou a ser conhecida como fator relaxante endotelial.
Coube a Salvador Moncada, dos Laboratórios de Pesquisa Wellcome (Reino Unido), identificar o agente, que ninguém conseguira isolar porque sua ação é muito fugaz. A substância nada mais era que o óxido nítrico!
Estimulado pela descoberta de Moncada, o neurobiologista Solomon Snyder e colaboradores, de Johns Hopkins, decidiram estudar o gás no cérebro.
A instabilidade do produto impossibilitaria, entretanto, o trabalho direto com ele. Por isso os pesquisadores utilizaram a sintase do óxido nítrico, enzima que preside a formação do gás nas células nervosas e endoteliais.
Revelaram que, em pequena concentração, o óxido funciona como neurotransmissor, levando impulsos de uma célula a outra. O encontro de um neurotransmissor gasoso despertou grande surpresa entre os especialistas.
Com efeito, a sintase do óxido nítrico ocorre no cérebro exclusivamente em neurônios, onde é criada: quando inibida, sobrevém bloqueio do estímulo nervoso.
Ao contrário de outros neurotransmissores, o óxido nítrico não é feito com antecedência e guardado em vesículas dentro da célula, mas produzido no momento em que vai ser usado.
O óxido também não possui receptores específicos, mas, segundo Snyder, o receptor nesse caso é o ferro ligado a enzimas.
Produzido em alta quantidade, o óxido pode ser tóxico aos neurônios (células nervosas) e suspeita-se de sua participação na morte das células nos derrames e em doenças neurodegenerativas como as de Alzheimer e Huntington.
Importante passo deu a equipe de Snyder com a clonagem do gene que comanda a produção da sintase do óxido nítrico nas células nervosas e endoteliais.
A clonagem desse gene poderá ensejar a obtenção de maiores quantidades do óxido para as experiências biológicas, o que por sua vez poderá facilitar o desenvolvimento de testes diagnósticos e meios terapêuticos para doenças decorrentes de anomalias na síntese do óxido nítrico (hipertensão, doenças neurodegenerativas etc).
No combate aos micróbios e células tumorais, o óxido nítrico é produzido por células de defesa chamadas macrófagos, mas ainda não se conhecem os pormenores do processo.
Acreditam alguns que o óxido se una às enzimas que atuam na respiração do micróbio. No caso de tumores, o óxido seria libertado pelas células de defesa depois de ativadas por um interferon (mensageiro do sistema imune).
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