São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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"Houston, a Águia pousou"

ALAN SHEPARD; DEKE SLAYTON
DA REDAÇÃO

O momento mais delicado da missão Apollo 11 foi quando a Eagle ("águia", em inglês) desceu de sua órbita em direção ao solo lunar.
Houve problemas no computador, o combustível estava acabando e os astronautas a bordo, quando olharam pela janela, perceberam que não sobrevoavam o local programado.
Na base de comando em Houston, outros dois astronautas, entre eles o primeiro norte-americano a ir ao espaço, acompanhavam tudo.
A seguir, eles contam como foram os momentos mais tensos de toda a missão.

ALAN SHEPARD
e DEKE SLAYTON
Os dois astronautas desciam rapidamente em direção à paisagem lunar em sua nave de aterrissagem, a Eagle.
No interior da apertada cabine, Neil Armstrong e Buzz Aldrin estavam de pé, calçando botas. Estavam praticamente sem peso, fechados dentro de um traje espacial pressurizado.
A Eagle avançava veloz, puxada pela atração gravitacional da Lua. Armstrong e Aldrin encontravam-se a poucos minutos do momento em que iriam acionar o motor e descer para a superfície lunar.
A 400 mil quilômetros de distância, no centro de controles de Houston (EUA), um colega astronauta chamado Charlie Duke estudava atentamente os painéis de instrumentos. Duke era a única pessoa autorizada a comunicar-se com Armstrong e Aldrin naquele momento. Era hora de enviar a mensagem.
"Eagle, Houston" disse em seu microfone. As palavras atravessaram o espaço a 300 mil quilômetros por segundo, até chegar aos dois. "Se vocês receberem, têm sinal verde para a descida".
Armstrong e Aldrin não estavam sozinhos. Um terceiro membro da tripulação da Apollo 11, Michael Collins, estava 80 quilômetros acima deles, em órbita lunar dentro da nave de comando, a Columbia. Ele ouvira claramente a mensagem do centro de controle.
"Eagle, aqui é Columbia. Eles acabam de dar sinal verde para a descida", disse Collins.
Os dois homens se entreolharam. "Roger", disse Armstrong, indicando que a mensagem fora recebida e entendida. Eles se dirigiam a um mar sem água chamado Mar da Tranquilidade.
Dentro do Centro de Controle de Missão de Houston, um pequeno exército de controladores de vôo, todos tensos, mantinha os olhos fixos sobre seus consoles.
"Oi, turma". Todas as cabeças se viraram. Gene Kranz, diretor de vôo, sorriu. "Hoje vamos pousar na Lua. Não é papo furado." Era o dia 20 de julho de 1969.
Deke Slayton, ao lado do diretor de vôo, estudava os "monitores de situação". Um dos sete astronautas originais do Projeto Mercury, ficou na Terra por razões médicas.
Deke estava lá como observador. Se algo desse errado, queria estar a postos para ajudar Armstrong e Aldrin.
Ele assumiria o lugar de Duke, encarregando-se das comunicações com a cápsula, para dar conselhos e palavras tranquilizadoras.
Também presente na sala estava Alan Shepard, outro dos astronautas do Projeto Mercury, também na condição de observador.
Quando os instrumentos lhes dissessem que se encontravam a 309 quilômetros do local projetado de pouso, Armstrong e Aldrin iriam acionar a desaceleração e se preparar para a alunissagem.
Era o momento da descida. Na Terra, os ouvintes de rádio e espectadores de televisão prendiam a respiração.
A nave descia suave, atravessando o céu negro. O cérebro eletrônico da Eagle monitorava a desaceleração, media a perda de velocidade, avaliava a altura e confirmava o ângulo de descida.
O computador começou a aumentar a potência. Chamas se ergueram abaixo deles. A Eagle balançava de um lado para outro violentamente.
À medida que a Eagle desacelerava, começava a sentir a gravidade muito forte. Dentro da cápsula, Armstrong e Aldrin voltaram a sentir atração gravitacional. Os braços caíram. As pernas se firmaram dentro dos trajes.
Armstrong sorriu, mergulhado na realidade da aventura. Viu Aldrin sorrir como uma criança. Estavam prestes a pousar na Lua.
Mas nem tudo ia bem.
Cada homem no Centro de Controle de Missão sabia que os computadores da Eagle também tinham sistemas de alarme para detectar desequilíbrios, desalinhamentos, desvios do plano de vôo.
Apenas Steve Bales, 26, e Jack Garman, 24, estavam familiarizados com cada um desses alarmes e o que significavam.
Sinais de emergência se acenderam dentro da Eagle e, um segundo e meio depois, nos consoles em Houston.
A 1.800 metros da Lua, uma luz amarela faiscava diante dos dois astronautas.
A voz de Aldrin reagiu imediatamente: "Alarme no programa. É um 12-0-2".
Um aviso de que o computador principal da nave estava sobrecarregado. Tanta coisa acontecendo, tantos sinais sendo gerados que o computador não conseguia absorvê-los todos. Era um grito de socorro.
Todos sentiram a possibilidade de fracasso, mas não houve pânico no Controle de Missão. Os controladores de vôo fizeram figa, rezaram e cerraram os dentes. Todos os olhares voltados para Bales.
Ele olhava fixamente para o console à sua frente. Os números em código lhe informaram imediatamente o que estava errado.
Na mesma hora, falou com Garman, que havia feito sua própria análise. Garman disse cuidadoso: "É uma sobrecarga executiva. Se não ocorrer de novo, tudo bem."
O sistema estava fazendo exatamente o que estava previsto.
A cada segundo, tinha que navegar, guiar, determinar o impulso do motor, atualizar todos os dados anteriores e mostrar dados multifacetados à tripulação. Também realizava os cálculos necessários para a Eagle abortar o pouso.
Se o computador não conseguisse realizar tudo no tempo predeterminado de um segundo, acionava o alarme de sobrecarga 12-0-2.
Armstrong e Aldrin não tinham um segundo a perder em seu mergulho para baixo.
Bales se endireitou na cadeira. Não havia tempo para avaliar, pesar, considerar.
"Sinal verde!", gritou. Charlie Duke ficou surpreso. Imediatamente falou: "Sinal verde para o alarme, Eagle."
Os astronautas já estavam 1.200 metros acima da poeira lunar. Alarmes de programa ainda apareciam nas telas de monitoramento.
"Sinal verde", disse. Duke falou: "Eagle, sinal verde para o pouso."
A 400 metros da superfície da Lua, a Eagle iniciou a descida final. Armstrong havia pilotado a missão no fio da navalha. Digitou "prosseguir" no teclado.
Os dois olharam pelas janelas para estudar a superfície lunar. Imediatamente perceberam que não estavam onde deveriam estar.
Droga!
A Eagle ultrapassara o local de alunissagem, chamado Home Plate, em seis quilômetros e meio.
A Eagle, com combustível quase esgotado, se dirigia diretamente para lá. Não havia tempo a perder.
No vácuo lunar, não existia a possibilidade de planar para poupar combustível. Tampouco havia chance de entrar em órbita para fazer outra tentativa de alunissagem. A única opção era pousar imediatamente.
Armstrong agarrou o controle manual. Ele teria que pilotar, enquanto a Eagle descia a 6 metros por segundo.
Armstrong moveu o controle levemente, desacelerando para 2,7 metros por segundo.
As pessoas no Controle de Missões escutavam, hipnotizadas, as vozes que se acercavam da Lua.
Não havia lugar para pousar. Por toda parte se espalhavam grandes pedras, rochas enormes e crateras mortíferas. No centro de controles, o silêncio era mortal.
Armstrong acionou o lado direito dos jatos de manobra da Eagle. A nave passou sobre cascalho que estava ali há bilhões de anos. Ainda restavam 90 segundos de combustível para a descida.
Se o motor consumisse a derradeira reserva de combustível antes do pouso, eles iriam bater, caindo sobre a superfície sem potência.
Slayton, Shepard e todos os presentes no centro de controles rangiam os dentes. Angustiados, preocupados, só podiam assistir. O destino da missão estava nas mãos dos dois astronautas.
Equilibrando-se sobre chamas e jatos de posicionamento, Armstrong calmamente mirou o novo local de pouso, restando apenas 60 segundos.
Fechados dentro do Controle de Missão, os controladores de vôo estavam quase enlouquecidos com a incapacidade de fazer qualquer coisa para ajudar os dois.
A 15 metros da superfície lunar, a Eagle descia. Já não havia margem para erros. "Sete metros..."
E depois as palavras mágicas: "Estamos levantando poeira..."
O combustível se esvaiu. E a seguir ouviram-se as palavras de Aldrin: "Luz de contato!"
"OK, motor parado... motor de descida desligado..."
Armstrong havia feito um pouso tão macio que Aldrin não estava disposto a arriscar nada.
Será que haviam pousado? Estudou as luzes no painel de pouso para ter certeza de que era verdade.
Quatro luzes lhes deram as boas-vindas a um lugar onde nenhum ser humano estivera antes. Quatro plataformas redondas de pouso na extremidade das pernas da Eagle estavam sobre a poeira lunar.
A voz de Armstrong soou calma, confiante e clara: "Houston, aqui é a Base da Tranquilidade. A Eagle pousou."
Eram 17h17m42 (hora de Brasília) de domingo, 20 de julho de 1969.
A voz de Charlie Duke ergueu-se sobre vivas e aplausos no Controle de Missão.
"Roger, Tranquilidade. Imitamos vocês no solo. Aqui há um monte de caras que quase morreram sufocados. Já voltamos a respirar. Muito obrigado."
Armstrong e Aldrin se entreolharam. Aldrin sorriu e deu a mão a Armstrong. Depois, emocionados pelo significado do momento, deram tapas nas costas um do outro, enquanto um som explodiu nos fones de ouvido.
Charlie Duke abrira seu microfone, e a comemoração no Centro de Missão se espalhou, vibrante, por 400 mil quilômetros, fazendo sorrir as duas únicas criaturas vivas na superfície da Lua.

ALAN SHEPARD foi o primeiro americano a subir ao espaço em 1961 e foi à Lua em 1971. DONALD "DEKE" SLAYTON, falecido em 1993, foi um dos sete primeiros astronautas dos EUA e participou do acoplamento Apollo-Soyuz em 1975. O texto acima foi extraído do livro }Moon Shot: The Inside Story of America's race to the Moon (Turner Publishing). Copyright International Press Syndicate.

Tradução de Clara Allain

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