São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994 |
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SBPC tenta aproximação com indústria
VICTOR AGOSTINHO; HELIO GUROVITZ
Na sua 46ª reunião anual, aberta ontem, em Vitória (ES), a SBPC dá sinais de aproximação entre a comunidade científica e o empresariado –os "meios produtores", na definição de Ab'Sáber. O geógrafo reconhece que a imagem "marxista" da SBPC prejudica a criação da "ponte" academia/empresas, que poderia alavancar a pesquisa no país. Ao mesmo tempo, não abre mão do que marcou a atuação da SBPC na história recente: a defesa da democracia. Dizendo ter "memória dura", Ab'Sáber volta a carga contra o ministro da Economia, Rubens Ricupero, a quem chama "estafeta da ditadura". Não à toa, o tema escolhido para a reunião que inicia hoje seus trabalhos foi "Ética na Consolidação da Democracia". Em nome dessa ética, Ab'Sáber, que apóia a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, convidou todos os demais candidatos a tomarem parte nas mesas da reunião. Leia abaixo trechos da entrevista que concedeu à Folha quinta-feira passada em sua casa na Granja Viana (São Paulo). Folha - Por que o tema desta reunião é Ética na Consolidação da Democracia? Aziz Ab'Sáber - A reunião começou a ser organizada no segundo semestre do ano passado e nós estávamos muito desesperados, sugestionados e indignados com a CPI do Orçamento e com a revisão constitucional. Naquele momento a democracia estava ameaçada. Folha - Depois do impeachment as instituições ficaram mais fortalecidas. Mas e a ética, o que o senhor acha? Ab'Sáber - Eu acho que houve uma verdadeira escalada da ética. Numa primeira fase ela não apareceu tanto porque foi uma ética ligada à cobrança. Nós queremos agora uma ética que seja integrada ao processo de desenvolvimento cultural, social e político do Brasil. Ética não cai do céu, vem ao largo da discussão filosófica que chega até nós. Folha - O senhor não tem medo de que num ano eleitoral essa discussão fique polarizada entre Fernando Henrique e Lula? Ab'Sáber - Em termos de SBPC não há nenhuma linha partidária. Até porque, na diretoria, cada um tem um pensamento e todos se patrulham, apesar de o patrulhamento principal vir em cima do Aziz Ab'Sáber –por eu ter pertencido ao governo paralelo do PT e ser amigo pessoal do Lula. Folha - O senhor vai votar no Lula... Ab'Sáber - Eu nunca neguei isso. Como também não me interessa em quem os outros cientistas vão votar. Eu continuo cidadão, cientista e presidente da SBPC até julho do ano que vem. Folha - O senhor não acha muito perigosa a manipulação política do discurso científico? Ab'Saber - Mas a manipulação é da parte deles. Folha - E na academia, quais são os pontos negativos da polarização? Ab'Sáber - Na área acadêmica é muito difícil falar. O Fernando Henrique faz muito tempo que não vai à SBPC. Agora, a meu convite, ele virá. Dia 4 de julho mandei uma carta a todos os presidenciáveis. Ninguém respondeu. Mas eu estou sabendo, comunicado por terceiros, da presença dos dois. Lula, no dia 18, e Fernando Henrique, no dia 21. Folha - O senhor é frequentemente acusado de estar "aparelhando" a SBPC em favor do PT. Ab'Sáber - Pelo contrário. Quando o Lula soube que estava sendo convidado para a SBPC como todos os outros, se ressentiu. O grande amigo dele, o Aziz, convida todos e não o convida individualmente. Ele também é vaidoso, isso é normal. A vaidade é humana. Folha - O senhor espera algum cargo do governo Lula? Ab'Sáber - Havia muita expectativa, na época do governo paralelo, de que o Aziz fosse ministro. Eu sou refratário a isso. Folha - Se convidado para o Ministério da Ciência e Tecnologia ou para o Meio Ambiente, o senhor não aceitaria? Ab'Sáber - Eu vou ter o maior dilema da minha vida. Eu quero completar minha administração na SBPC. Isso é ponto de honra. Minha área principal é meio ambiente, mas não dá para fazer meio ambiente sem planejamento. Planejamento no Brasil é da área do Ministério da Economia, uma estupidez. Uma das minhas grandes críticas à estrutura atual da administração brasileira é que não há planejamento, porque é o Ministério da Economia que tem todos os recursos para controlar o planejamento. Acaba sendo planejamento econômico, o que é completamente diferente. Isso deve ficar no ministério onde está hoje o sr. Ricupero. Folha - O que o sr. acha dele? Ab'Sáber - Todas as vezes que eu fui instado a ter contato com ele durante o período em que esteve no Meio Ambiente, eu não quis. Posso explicar por quê. Ele foi estafeta da ditadura. Punha o dedo nos olhos dos reitores. Folha - Há um projeto de lei sobre ética em biologia tramitando na Câmara. Qual a posição da SBPC? Ab'Sáber - Não sou a pessoa mais indicada para falar sobre biotecnologia. Mas nossa postura é exigir ética em todos os momentos da experimentação. Folha - Qual a posição da SBPC em relação ao projeto que proíbe a patente de todos os seres vivos, exceto dos microorganismos que têm uso industrial? Ab'Sáber - Os microorganismos que têm uso industrial são fundamentais para toda a farmacologia internacional. Os microorganismos do solo são os mais importantes componentes para lutar contra certos tipos de doença. O Brasil, com solos tropicais, tem microorganismos em massa. Folha - Então a SBPC é favorável a patentear esses microorganismos desde que associados a um processo industrial? Ab'Sáber - Não em nível internacional. O que eles querem é o seguinte: o produto é nosso, a patente é deles. Além de patentes, eles querem que, através dos estudos de aplicabilidade, eles tenham a patente disso. A SBPC não concorda com isso de jeito nenhum. Folha - O investimento brasileiro em ciência e tecnologia corresponde a 0,7% do PIB, enquanto em países ricos chega a 3%. Uma solução para elevar esse número é estimular investimentos do setor privado. Qual a posição da SBPC? Ab'Sáber - A posição da SBPC é brigar por maiores recursos para pesquisa. Em segundo lugar, para pesquisas que tenham aplicações. Não somos idiotas de pensar só em ciência básica e esquecer um país que tem uma escala territorial continental. Mas também não é possível fazer as aplicações sem conhecer as ciências humanas no país. Folha - Quais as propostas concretas da SBPC para que a indústria brasileira passe a investir em pesquisa e tecnologia? Ab'Saber - Nós não temos acesso direto aos industriais brasileiros. Por muito tempo a SBPC foi considerada por muita gente da área industrial como um grupo de comunistas que vogava assuntos marxistas e fazia proselitismo político. Isso nunca foi verdadeiro, mas à sombra dessa forma ideológica dos industriais pensarem a SBPC foi permanente e até hoje é. Folha - Mas a má-vontade ideológica não é recíproca? Ab'Saber - Não. Nesta reunião, por exemplo, nós fizemos questão de colocar mesa sobre esse assunto. E convidamos os arautos da industrialização. Convidamos o Sergio Xavier Ferola, da Escola Superior de Guerra. Nunca foi convidado ninguém de lá para tratar de assuntos entre industriais e programas comunitários. Folha - Por quê? Ab'Saber - Porque precisamos ter uma ponte com os industriais. Nossa ponte hoje se resume ao José Mindlin, Oded Grajew e ao Sebrae (Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas). Eu assisti a uma reunião da Fiepa (Federação das Indústrias do Pará) e, meu Deus do céu, os madeireiros estão lá para dar tiro em cientista. Falando com sinceridade, eles são monstruosos. Folha - O senhor não acha que, para conseguir essa ponte, é preciso sentar à mesma mesa com pessoas como o ministro Ricupero que, segundo o senhor, foram "estafetas da ditadura"? Ab'Sáber - Minha memória é dura. Tem certas pessoas que eu não perdôo. Não perdôo o deputado Roberto Campos, que chamou, a propósito do projeto de patentes, a SBPC de Sociedade Brasileira para o Progresso da Pirataria. Morro, mas não perdôo isso. Também não perdôo o deputado Roberto Cardoso Alves, por ter dito que é dando que se recebe. Texto Anterior: Um comitê para o Tietê Próximo Texto: Para Vargas, culpa é do "modelo" Índice |
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