São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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A geografia americana frente ao Nafta e à União Européia

ALIETO ALDO GUADAGNI

A década de 90 encontra a América Latina e o Caribe (ALC) em franco processo de recuperação da crise da dívida da década anterior. As reformas econômicas tiveram êxito em expandir fortemente seu nível de atividade. Ao mesmo tempo, estes países abriram rapidamente suas economias ao exterior, não é surpresa que suas importações tenham tido um aumento considerável, superando os US$ 150 bilhões.
Este processo modificou o intercâmbio líquido com os Estados Unidos, país este que passou de um déficit comercial de US$ 6,2 bilhões em 1989 para um superávit de US$ 2,3 bilhões em 1993 (ALC é hoje o único continente onde os EUA têm superávit).
Nestes quatro anos as exportações norte-americanas à região aumentaram 53%. Como expressa o recente informe da USTR, agência de comércio exterior norte-americana, apresentado ao Congresso e ao presidente dos Estados Unidos, com o objetivo de determinar com quais países deveriam negociar acordos de livre comércio (Lei do Nafta - seção 108): "Os exportadores norte-americanos têm uma excelente oportunidade para continuar expandindo o comércio na região, já que o crecimento da ALC continuará no futuro". Ao mesmo tempo, o informe aponta que "Os EUA são os primeiro ou o segundo mercado de exportações para quase todos os países da ALC".
Estas questões não serão alheias à próxima reunião norte-americana em Miami, um dos pontos relevantes à articulação entre os acordos de livre comércio no continente, entre os quais, o mais importante pela magnitude de seus sócios é o Nafta.
Lembremos que prevalece uma complexa situação em matéria de integração, já que no continente coexistem mais de uma dúzia de esquemas regionais, sub-regionais e bilaterais, com alguns países que pertencem simultaneamente a mais de um grupo.
A União Européia (UE) demonstrou seu interesse em estreitar as vinculações econômicas (investimentos) e as relações comerciais com países da ALC.
No último encontro Mercosul-UE celebrado em São Paulo durante o mês de abril, os chanceleres europeus anunciaram suas aspirações em fortalecer as vinculações com o Mercosul, assumindo os avanços do Tratado de Assunção previstos para 1995.
Este novo esquema de cooperação abrangendo investimentos e comércio (sem excluir a agricultura) é um fato político de primeira magnitude, tendo em conta que a UE, com suas próximas incorporações de países, se colocará no primeiro lugar no mundo pelo volume de sua economia e grandeza de seu mercado importador.
Esta iniciativa da UE e as possibilidades que abrem à extensão do Nafta, configuram assim um panorama muito animador para a consolidação das reformas econômicas na ALC.
A expansão das exportações ("criação de comércio") e a incorporação mantida de capitais é a consequência positiva mais importante de um acordo de liberalização comercial.
Para analisar a potencialidade destes fenômenos, é útil apreciar qual o posicionamento de cada país em matéria de comércio e de inversões estrageiras.
Na tabela, se ordena um grupo selecionado de países da ALC, tendo em consideração suas exportações aos EUA e a UE, assim como os investimentos correspondentes aos mesmos.
Estes países, ordenados de acordo com a intensidade de seu comércio com os EUA, se apresentam em dois grupos situados ao norte e ao sul do Equador.
O caso mais notável é o México, que por cada US$ 1 exportado à União Européia, exporta quase US$ 10 aos EUA; e por cada US$ 1 de investimento originado na UE, recebeu quase US$ 3,50 dos EUA.
Ao sul do Equador, a situação é diferente; todos os países do Mercosul mais o Peru, Chile e a Bolívia, exportam mais à UE que os EUA.
No Mercosul prevalecem ademais os investimentos europeus, com exceção da Argentina, onde os investimentos norte-americanos superavam até 1992 em 13% os de origem européia.
Porém, o amplo processo de privatização argentinas trouxe um substancial avanço dos investimentos europeus, que superaram neste item em 76% os investimentos norte-americanos.
Esta notória influência da geografia nos fluxos externos não deveriam surpreender já que os estudos econométricos ratificam a importância da "vizinhança", como um fator relevante no direcionamento das correntes comerciais mundiais.
É provável que os novos fenômenos de "globalização", somados ao desenvolvimento das tecnologias informatizadas mais a firme tendência à redução dos custos de transporte, reduzam parcialmente, no futuro, a significação do fator geográfico, porém a localização seguirá sendo um elemento de peso.
O comércio americano ao norte do Equador tem um direcionamento marcado rumo aos EUA, onde se orienta em muitos casos entre os 50% e 80% das exportações.
Ao sul prevalecem inserções mais equilibradas nos diversos mercados, próprias de países que são "global traders" e não exibem relacionamentos "exclusivos". Um exemplo é o Mercosul que exporta 30% para a UE, 26% para a ALC, 17% para os EUA, e 5% para o Japão.
Brasil e Argentina são típicos países "global traders", com uma tríplice articulação com o Mercosul, a UE, os EUA e o Nafta.
Por esta razão o cenário que se vislumbra nos próximos anos é promissor, já que, à consolidação prioritária do Mercosul, somam-se agora as boas perspectivas que oferecem tanto a iniciativa da UE para 1995 como a eventual expansão do Nafta.
Esta multipicidade de opções não excluentes entre si, aumenta objetivamente os graus de liberdade da política comercial no cone Sul do continente, onde a geografia não é indiferente a um maior equilíbrio na introdução no comércio internacional.

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