São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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A dura nudez dos números

O prolongado período de superinflação vivido pelo Brasil tirou de todos a capacidade de saber o valor do que quer que seja. Mais: tirou também a capacidade de fazer comparações com qualquer tipo de valor relativo ao mês anterior ou até ao dia anterior.
Com a estabilidade, retirados os véus da inflação elevadíssima, os preços tendem a ficar nus aos olhos mesmo dos mais desavisados.
Recupera-se, com isso, a capacidade de decidir o que é caro e o que é barato. Quanto aos impostos, recupera-se a capacidade de racionalizar muito mais claramente a fatia do salário engolida pelo fisco.
Essa percepção vai ser imediata e bastante desagradável para todo assalariado que observar mais atentamente o contracheque recebido nestes dias e nos próximos. O desconto do IR (Imposto de Renda) será substancial ou razoavelmente superior ao que foi no mês passado, conforme a faixa de salários e a data de recebimento.
Trata-se de um efeito colateral da tentativa de criar uma moeda estável. No período iniciado com a introdução da URV, o desconto ficou menor. O assalariado ganhava, na prática, a inflação verificada no período entre o dia 1º de cada mês e, por exemplo, o dia 20, data mais comum do adiantamento. Agora, esse benefício desaparece e cada assalariado volta a ter um IR igual ou bem semelhante ao de janeiro/fevereiro, meses pré-URV.
É lamentável que o governo não tenha alertado a população para esse fato. Quem se acostumou a um determinado desconto correspondente ao IR e, agora, vê o desconto aumentar, vai sentir-se prejudicado, o que é apenas parcialmente verdadeiro. O prejuízo se dá na comparação com o salário líquido dos três meses de vigência da URV, mas inexiste se o parâmetro é o desconto dos meses anteriores.
De qualquer forma, o peso da carga fiscal fica mais evidente e é de se esperar que a sociedade ganhe em capacidade de reivindicar que o que sai de seu bolso volte na forma de serviços de melhor qualidade ou obras de fato prioritárias.
A inflação é uma aliada dos pescadores de águas turvas, não só na iniciativa privada, mas também no setor público. A transparência nos números (dos preços, dos impostos, de tudo o mais) pode ser uma aliada do contribuinte.
Da mesma forma como está aprendendo a comparar preços nos supermercados ou no comércio em geral, precisa aprender também a comparar o preço que o governo cobra, na forma de impostos, e a mercadoria que oferece, como serviços ou obras.

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