São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Todas as mulheres do Kremlin

SÉRGIO MALBERGIER
DE LONDRES

Nadezhda Alliluieva, mulher do ditador soviético Josef Stálin, morreu em 1932 com uma pistola ao lado da cama, em seu quarto no Kremlin. O jornal "Pravda" publicou apenas que "uma bolchevista dedicada, muito próxima de Stálin" tinha morrido.
Pouco antes, Nadezhda deixara um banquete no Kremlin em que seu marido ficara jogando migalhas de pão nela.
O mais provável é que Stálin tenha levado Nadezhda ao suicídio, com suas insinuações de que ela podia ser filha dele.
Ele tinha 39 anos e Nadezhda 16 quando se casaram. Era sabido seu caso com a mãe da futura mulher.
A morte de Nadezhda e o destino trágico de mulheres de líderes da Revolução de 1917 estão no livro "Kremlin Wives" (As Esposas do Kremlin), da acadêmica russa Larissa Vasilieva lançado pela editora Weidenfeld & Nicolson.
A obra vendeu 2 milhões de exemplares na Rússia e só se tornou possível após a abertura, em 1991, dos arquivos da extinta KGB (serviço secreto soviético).
Vasilieva entrou com um pedido para pesquisar os arquivos das mulheres que foram presas sob ordem de Stálin enquanto seus maridos continuavam a servi-lo.
Boa parte dos ministros e assessores passaram a morar no Kremlin após a Revolução, junto com suas mulheres. No começo, elas ajudavam os maridos.
"Após a Revolução, as mulheres ficaram lado a lado com seus maridos, como a mulher de Lênin, Natalia Krupskaia. Sob Stálin, elas tiveram que optar entre a prisão e a cozinha", escreve Vasilieva.
Stálin parecia testar a lealdade de seus "camaradas" mandando suas mulheres para a prisão. Iekaterina, mulher de Mikhail Kalinin, presidente da URSS até 1946, serviu 15 anos de trabalhos forçados numa lavanderia na Sibéria.
A mulher do número 2 do regime, Viatcheslav Molotov, esteve cinco anos nas prisões de Stálin.
Vasilieva entrevistou algumas das mulheres ainda vivas, como Nina Teimurazovna, mulher de Laurenti Beria, o temido chefe da NKVD (precursora da KGB).
Beria, o carrasco de Stálin, ficou famoso por seus métodos de "interrogar" jovens prisioneiras. Em 1956, quando foi preso, 760 mulheres disseram que foram suas amantes. Mas Teimurazovna mantém até hoje que as mulheres de Beria eram agentes, que mentiram para disfarçar.
A mentira acabou sendo uma forma de sobrevivência. Quando Nikita Krushchev chegou ao poder, as mulheres assumiram o papel secundário reservado a elas pelos líderes do Estado comunista.
"Todas as esposas do Kremlin viviam bem materialmente. Mas quando sua época passava descobriam que não tinham nada. Tudo era do Estado", escreve Vasilieva.
A sorte das mulheres do Kremlin só mudou com a abertura de Mikhail Gorbatchov e sua mulher, Raíssa. Mas por pouco tempo.
Com o fim do comunismo, as mulheres do Kremlin não se emanciparam como a Máfia e os novos capitalistas locais. Ou alguém já ouviu falar da mulher do presidente russo, Boris Ieltsin?

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