São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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A Igreja está falando sozinha

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Em nome dos católicos, a Igreja pressiona os governantes e parlamentares contra o aborto ou métodos anticoncepcionais como a camisinha, passando pela pílula e esterilização. Pesquisa do Datafolha revela hoje que os padres e bispos estão falando quase sozinhos. É bom ou mau?
Realizada em São Paulo, Distrito Federal, Porto Alegre e Recife, a pesquisa encontra um número impressionante. Dos entrevistados que se dizem católicos praticantes (frequentam a missa, por exemplo), 81% afirmam: não seguem a orientação dos padres sobre planejamento familiar.
Entre aqueles que se dizem católicos não fiéis, a percentagem sobe para 94%. Curiosidade: esse número é mais alto do que os que se apresentam ateus ou sem religião (93%). Apenas 4% dos praticantes aceitam a condenação, por exemplo, do uso da camisinha.
Esclareço: se tivesse de fazer uma lista dos homens admiráveis do país, certamente incluiria religiosos em lugar de destaque. Estariam, por exemplo, D. Luciano Mendes de Almeida e D. Paulo Evaristo Arns, duas referências de humanismo e solidariedade. É excepcional e insubstituível o trabalho de missionários nos locais mais abandonados do país.
Mas é bom que o brasileiro não siga a orientação religiosa em assuntos de planejamento familiar –é uma orientação perigosa. Arrisco dizer: desumana. Julgo até defensável a condenação ao aborto, mas não tem sentido tentar impedir métodos anticoncepcionais como a pílula e a camisinha.
Milhões de mulheres e adolescentes são obrigadas a gerar um filho que não desejaram, por falta de acesso a métodos anticoncepcionais. Homens e mulheres correm o risco de contrair Aids caso não utilizem a camisinha.
Pedir que não se faça sexo antes do casamento é, literalmente, pregar no deserto. A Igreja Católica não consegue evitar o sexo nem mesmo entre padres. Imagine-se, então, entre as pessoas comuns.
O problema é que toda essa pregação acaba numa injustiça. Os casais mais ricos têm dinheiro para evitar filhos. O prejuízo, de fato, cai nos pobres: pelo desleixo e falta de coragem dos governantes, estimulados pela Igreja, ficam sem o direito de escolher o tamanho de sua família.

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