São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Caso da bagagem é positivo para o Brasil

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O recente incidente no que concerne à bagagem da seleção brasileira, que terminou com a queda do secretário da Receita Federal, deve ser examinado sem paixão para que se possam tirar as conclusões justas e adequadas.
A primeira delas é de que, efetivamente, não deve haver desigualdade entre os contribuintes, visto que a Constituição de 88 eliminou inclusive as imunidades oficiais de que gozavam todos os governantes. Nada obstante esta igualdade, é de se lembrar que todas as autoridades governamentais gozam de privilégios que os contribuintes não têm, inclusive o uso de carros, residências e outros benefícios proibidos pela Constituição, sem o devido pagamento do Imposto de Renda.
Em outras palavras, da mesma forma que os jogadores deveriam pagar seus impostos aduaneiros, aquelas autoridades que usam casas e residências oficiais deveriam também ser procuradas pela Secretaria de Receita Federal para que todos fossem iguais perante a lei.
Assim, se legítima a intenção do ex-secretário de tratar igualmente os jogadores em relação aos demais contribuintes, foi até hoje injustificado que nunca tivesse o cuidado de tornar os privilegiados detentores do poder igualmente contribuintes nas mordomias que recebem.
Na verdade, alguns cidadãos continuaram mais iguais que os outros para efeitos da administração federal, mesmo na gestão do operoso ex-secretário.
A segunda conclusão é a de que, desejando tratar igualmente todos os passageiros, como manda a Constituição, e sabendo por todas as televisões que a delegação trazia 17 toneladas de bagagem, o ex-secretário deveria ter preparado um esquema especial para fiscalizá-los. E não à meia-noite, após 20 horas de maratona para os jogadores, pretender tratá-los da mesma forma que deveriam ser tratados todos os contribuintes.
O fato de ter desligado, como noticiam os jornais, o seu telefone celular pode levar muita gente à conclusão de que pretendia mais uma saída espetacular que propriamente fazer a igualdade entre todos os contribuintes, como é dever dos secretários da Receita Federal.
E a terceira conclusão é a de que se deve buscar a justiça tributária sem alardes, com discrição e eficiência, como determina o Código Tributário nacional, no artigo 198. Tenho pelo ex-secretário estima e admiração, mas não creio que, neste episódio, tenha ele agido buscando prestigiar o governo que sempre o prestigiou e sim visando a destacar sua imagem pessoal.
Todas estas considerações à margem do rocambolesco episódio não deve, entretanto, eliminar a necessidade de jogadores e amigos do presidente da CBF pagarem o imposto de importação devido. Dariam, todos eles, admirável exemplo à Nação se, espontaneamente, se oferecessem a recolher o tributo.
O certo, todavia, é que o episódio trouxe uma lição de maturidade da população para a análise dos governantes atuais e dos futuros detentores do poder. O Brasil não mais admite vantagens indevidas, privilégios imerecidos, "jeitinhos" no velho estilo das sociedades despreparadas.
Hoje, a ética é a maior aspiração do brasileiro e os governantes devem se preparar para compreenderem a nova realidade, sob o risco de ficarem à margem da história. Sob este aspecto, o episódio foi positivo, muito embora desnecessariamente teatral. Estou convencido de que, a partir de agora, todos os jogadores e dirigentes do esporte nacional não mais correrão o risco de ter sua imagem desfigurada em casos semelhantes. E isto é bom para o esporte e para o Brasil.

Texto Anterior: Time de 70 desfilou sem Pelé
Próximo Texto: Números e critérios
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.