São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994
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Censo censurável

Censos são uma espécie de retrato do país. No caso do Brasil, essa assertiva adquire um perverso duplo sentido. Para além dos números nada abonadores revelados pela pesquisa, o censo de 1991 carrega consigo uma história de falta de planejamento, ineficiência e fraude.
Para começar, a pesquisa deveria ter sido realizada e seus números parciais deveriam ter sido divulgados em 1990, sob pena de comprometimento da série histórica, que era feita de dez em dez anos. O trabalho de campo só foi realizado em 91. O IBGE só revelou de forma sistemática os dados parciais anteontem, 3 de agosto de 94. Quase meia década de atraso, portanto.
Pior, os dados relativos ao Estado do Pará tiveram de ser desconsiderados por suspeitas de fraude. Municípios e Estados têm interesse em "superfaturar" sua população para reivindicar mais verbas e mais cadeiras na Câmara.
De resto, mesmo os números finalmente revelados pelo censo, em que pese alguns avanços, não constituem motivo para maior comemoração. Como não poderia deixar de ser, a taxa média de crescimento demográfico caiu. Foi de 2,48% no decênio 70-80 para 1,9% entre 80 e 91. Essa redução se deve principalmente à urbanização da população, a alguns avanços no campo do planejamento familiar e, sofrivelmente, na educação.
Ainda assim, há um considerável incremento populacional no Brasil que não deve ser menosprezado pelas autoridades, sobretudo quando se recorda de que existe uma crise estrutural de desemprego em todo o planeta. O envelhecimento da população também é motivo para preocupação no que tange à questão da Previdência, cujo atual sistema está sabidamente falido.
Um outro dado relevante é o da queda nos índices de analfabetismo (de 25,5% em 80 para 20%). Trata-se de um avanço sem dúvida, ainda que modesto, mas algumas regiões do Nordeste ainda exibem taxas vergonhosas de mais de 40%.
Como se vê, o Brasil caminhou um pouco na chamada década perdida. Mas muito menos do que poderia e deveria ter avançado. Os próprios atropelos na realização do censo, que na maioria dos países avançados é uma operação rotineira cumprida dentro dos prazos, é uma prova de que, sobretudo no setor público, há uma longa estrada a percorrer.

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