São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994
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A estabilidade e o Brasil na América Latina e no mundo

RUBENS RICUPERO

Uma comparação entre os planos econômicos do Brasil e da Argentina mostra muitas semelhanças e muitas diferenças na condução do processo de estabilização em cada um dos países.
Isso é natural, porque qualquer observador atento percebe, mesmo sem se aprofundar, que as duas economias têm desafios semelhantes na busca da estabilidade e várias diferenças na estrutura econômica e na sua inserção internacional, para não falar em diferenças de natureza institucional e até cultural.
Mesmo assim, o exemplo argentino certamente tem um valor fundamental para o Brasil nesta etapa inicial do nosso plano de estabilização. O Plano Cavallo é prova ao mesmo de que é possível, na América Latina, ter êxito no processo de estabilização e de é urgente e necessário que o Plano Real dê certo no Brasil.
Na primeira vertente desse raciocínio, o Plano Cavallo mostra que é possível estabilizar a economia e fortalecer a moeda com crescimento econômico.
A Argentina terá crescido mais de 30% ao final do quarto ano de implementação do Plano Cavallo. A taxa de investimento no primeiro trimestre subiu a 22% do PIB e o país reconquistou um lugar de realce no cenário regional e internacional. Sua imagem mudou radicalmente.
As críticas que se fazem em relação ao desemprego evadem uma questão central: a de que o problema já era acentuado no país antes do plano e tem sido agravado pela atração que a economia argentina vem exercendo sobre excedentes de mão-de-obra de países vizinhos, inclusive do Brasil.
Não quero ignorar que haja problemas conjunturais, mas é preciso lembrar de onde partiu a Argentina e onde já conseguiu chegar para valorizar adequadamente a experiência.
Nosso vizinho já está avançado na etapa das reformas estruturais, em que chegaremos graças ao efeito que a própria estabilização terá sobre o nosso país.
Na segunda vertente, fica claro que o Brasil não podia continuar isolado, na América Latina e no mundo, como um dos poucos países que não conseguiam estabilizar-se, ajustar-se estruturalmente e ocupar de forma plena o lugar que pode ter no mundo pós-Guerra Fria e pós-Rodada Uruguai.
Raciocinando "a contrariu sensu", é preciso pensar nas dificuldades redobradas que teríamos também no plano externo, seja ele regional ou internacional, caso não tenhamos êxito na estabilização e logo adiante nas reformas estruturais que a revisão constitucional não conseguiu fazer, mas que o Plano Real há de viabilizar e impulsionar.
Nessa segunda vertente, é preciso ainda ter em conta que o Brasil estabilizado ganha uma dimensão nova no plano externo. O êxito sustentado do Plano Real significará que a América Latina de fato está estabilizada.
Pela sua dimensão territorial e populacional, pela dimensão e complexidade da sua economia, pelo efeito multiplicador que essa economia tem sobre as economias dos seus vizinhos sul-americanos, o Brasil é determinante para que se consolide a imagem de uma América Latina estável e em desenvolvimento sustentado.
Nossas mazelas internas e a crise prolongada, agravadas pela inflação, sempre nos impediram de ver o Brasil na sua verdadeira dimensão relativa no continente e no mundo.
Nós nos esquecemos, por exemplo, de que somente se pôde dizer que a América Latina estava redemocratizada de fato quando o Brasil se redemocratizou –1985 foi o momento da virada da democratização, como esperamos que 1994 seja o da estabilização na América Latina.
Com o real, estamos fechando um hiato histórico que estava começando a formar-se entre o Brasil e seus principais parceiros latino-americanos. O real transformou com fatos concretos a imagem internacional e regional do Brasil e mudou o sinal com que o Brasil entra na agenda.
Não creio exagerar ao dizer que o Plano Real é um dos fatos mais importantes da política externa brasileira nos últimos tempos, um dos que maior impacto e maiores consequências poderão ter na inserção internacional do Brasil se o êxito deste início se mantiver de forma sustentada.
Temos agora de começar a nos valer da estabilização para fechar outros hiatos que nos separam, ainda que em menor medida, de alguns dos nossos vizinhos. Refiro-me aos indicadores sociais, que certamente já começam a se beneficiar do fim da inflação e da redução substancial da carestia que 45% de inflação ao mês traziam para as parcelas mais pobres da nossa sociedade, para os assalariados e aposentados em geral.
E temos de utilizar a estabilidade, que conquistamos por nossos próprios meios, sem qualquer ajuda ou apoio internacional, para melhorar as bases da nossa inserção internacional, especialmente atraindo, de forma seletiva, mais e melhores investimentos produtivos, que ajudem a gerar empregos mais numerosos e bem remunerados, com grande impacto sobre o nosso desenvolvimento econômico e social.
A estabilidade, que nunca foi um fim em si mesma para o governo Itamar Franco, começa a mostrar o potencial de transformação que tem, aqui dentro e nas nossas relações internacionais.

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