São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Cinemateca mostra vanguarda alemã em SP

A utopia das formas puras

CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na esteira (e histeria) da ideologia neoliberal, virou moda e moeda corrente proclamar a falência das vanguardas, decretando sua morte pura e simplesmente ou, então, tentando invalidar seus projetos e pressupostos estéticos.
Capítulo à parte na história do cinema, ao desprezado filme experimental é dispensado um lugar à margem, como mero exercício formalista, merecendo atenção parca e precária. Ironicamente, o cinema de vanguarda, por definição sempre tão à frente, por destino sempre é passado para trás.
Após exibir em 1990 "O Cinema Experimental Alemão dos Anos 80", a Cinemateca Brasileira (r. Fradique Coutinho, 361, tel. 011 881-6542) e o Instituto Goethe apresentam, a partir da próxima quarta, a mostra "O Cinema de Vanguarda Alemão dos Anos 20".
Comparada à sua contraparte francesa, mais filiada ao imaginário dadá e surrealista, a inaugural vanguarda alemã se deteve a uma pesquisa pura e elementar das relações de ritmos, formas e materiais, buscando a essência do cinema.
O filme de vanguarda alemão planejava dar dimensão temporal à plástica –os "filmes absolutos", poética de formas em movimentos rítmicos puros, regidos pela música da luz.
Ao negar a reprodução (do mundo), para a qual o cinema fora inicialmente inventado, e investir na produção (de sentidos e sensações), o filme de vanguarda se volta à forma prototípica do cinema, situando-se na raiz de questões básicas sobre o avanço do pensamento, da ação e da percepção humana. Instaurando a emancipação do cinema como forma autônoma de arte, o filme experimental converte-se em aventura de pleno risco pela busca utópica da essência da forma.
Os primeiros cineastas da vanguarda eram pintores, vindos da abstração geométrica. Viking Eggeling (1880-1925), aborda com rigor o tempo no cinema, buscando uma correspondência entre música e pintura. Seu único filme, "Sinfonia Diagonal" (1923), organiza uma elaborada estrutura gráfica e rítmica de variações de luz.
Hans Richter (1888-1976) realiza seu primeiro filme em 1921: "Rhythmus 21", uma complexa composição cinética de formas geométricas em contraponto.
Paradoxalmente, a primeira apresentação pública de filmes abstratos alemães marcou também o fim desta corrente de vanguarda.
Fischinger retomaria a tradição, tornando-se o último representante da bandeira da vanguarda na Alemanha e o único que seguiu fazendo filmes abstratos até meados dos anos 30.
Conjugando imaginação dadá e estruturas geométricas, Richter realiza os primeiros filmes do que chamou de "cine-ensaio", combinação pura de documentário e experimental, que pretendia visualizar a experiência das emoções, dos pensamentos, das sensações: "Estudo Fílmico" (1926), "Rebelião Matutina" (1928) e "Inflação" (1928).
Ao longo de sua obra, Oskar Fishinger investiga com perfeição a harmonia entre música, formas e cores. "Composição em Azul" (1935) alcança grande êxito e é premiado no Festival de Veneza, causando, por um lado, problemas com a câmara de cinema do Reich, e, por outro, um contrato com a Paramount em Hollywood.
A sanha nazista investiu com mais virulência contra a arte experimental, rotulada então de "arte degenerada". A senha para Richter e Fischinger tornou-se o exílio.
Fischinger não se integrou à indústria. Negou-se a constar dos créditos de "Fantasia", de Disney, para o qual criara uma sequência. Subsistindo com uma bolsa da Fundação Guggenheim, Fischenger realiza "Motion Painting n. 1" (1947), sua obra-prima final.
No exílio, Richter e Fischinger exemplificaram o ideal incondicional de liberdade e rigor, pesquisa e invenção do filme experimental. De uma perspectiva estética e histórica, a vanguarda alemã dos anos 20 teve papel ativo no desenvolvimento posterior do cinema experimental nos Estados Unidos e na Europa, nos anos 40, 50 e 60.
Fischinger resumia deste modo a vocação da vanguarda: "Há apenas um caminho para o artista criativo: produzir somente pelos mais nobres ideais. O verdadeiro artista não deve se importar se é compreendido, ou incompreendido. Ele deve ouvir apenas seu espírito criativo e satisfazer seus mais altos ideais, confiando que este será o melhor serviço que ele pode prestar à humanidade".
Assim como o espírito (e trajetória) desses autores vingou com vigor através dos tempos, exercendo fascínio e influência, infelizmente a intolerância (e ignorância) também (se) vingou, associando para sempre o filme experimental à incompreensão e ao descrédito.

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