São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Eleitores entendem Plano Real melhor que PT

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Um programa de estabilização tem o único objetivo de eliminar a inflação. Entende-se inflação como a alta contínua de preços num processo de indexação pelo qual a elevação do preço do cachecol na gélida Porto Alegre, ao entrar no índice nacional de carestia, faz subir o suco de manga na tórrida Belém.
Programa de estabilização, portanto, não aumenta salário, não distribui renda, não produz queda geral de preços nem mesmo impede alta eventual de preços. Se uma praga ataca as mangueiras de Belém, mesmo em regime de estabilidade o preço da manga sobe. O que não acontece em regime estável é indexação dessa alta a produtos que não tem nada a ver com a manga.
Anos atrás, quando esse debate sobre inflação inercial estava no começo, o professor Edmar Bacha, que viria a ser autor dos Planos Real e Cruzado, produziu uma boa imagem para se entender a estabilização.
A seguinte: num estádio de futebol lotado ocorre um lance agudo. Os torcedores da primeira fila se levantam; os da segunda fila levantam-se em seguida porque não conseguem ver. E assim sucessivamente até que toda a torcida está de pé, embora o jogo há muito tempo não produza novos lances agudos.
Conseguindo-se que todos se sentem ao mesmo tempo, não há mudança de posições relativas. O sujeito que está na geral mais barata continua lá, não é promovido à arquibancada. E os ricos e amigos do presidente da CBF continuam na tribuna de honra. Mas estão todos, da geral à tribuna de honra, mais confortáveis, vendo o jogo sentados.
Assim com a estabilidade. Estancado o processo de alta contínua de preços, as pessoas não ficam nem mais ricas nem mais pobres. Mas estão mais confortáveis por viver sem inflação.
Resumindo: antes do real, os brasileiros viviam em ambiente de preços altos, salários baixos e inflação alta e crônica. Depois de 1º de julho, o ambiente é de preços altos, salários baixos, só que sem inflação.
Acontece que tirar a inflação é muita coisa. Melhora muito a vida. Foi isso que os economistas do PT não perceberam, pelo que levaram seu candidato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva, a um brutal erro de avaliação sobre os efeitos do Plano Real.
Esse erro foi maior ainda porque os eleitores brasileiros perceberam muito claramente o plano, segundo indicam as pesquisas do Datafolha.
Os números-chave a considerar são os seguintes, tomando-se por base a pesquisa nacional feita em 25 e 26 de julho:
1) Perguntados sobre o poder de compra após a introdução do real em 1º de julho, apenas 26% dos eleitores responderam contar com ganho salarial; e uma maioria de 46% acha que poder de compra permanece igual;
2) Perguntados sobre sua situação pessoal em relação ao plano econômico, 51% dos eleitores declararam-se mais beneficiados; e 30% acham que sua situação não mudou;
3) Finalmente, quando se pediu uma avaliação geral do plano, nada menos que 72% disseram que o consideram "bom para o país".
Em termos que encantariam os economistas, pode-se dizer que há aí uma clara separação entre a avaliação macroeconômica (o que é bom para o país) e sensação micro (referente à vida pessoal). A porcentagem dos que consideram o plano bom é quase três vezes superior à dos que contam com ganhos salariais.
Mais importante ainda é notar que a percepção do plano entre os eleitores de Lula segue o mesmo padrão. Apenas 22% acham que o salário aumenta com o Plano Real; 24% esperam queda e 47% acham que o poder de compra fica igual.
Ainda entre os eleitores de Lula, 44% se sentem pessoalmente beneficiados e 30%, indiferentes. E nada menos que 66% acham o plano bom para o país.
Deve-se observar ainda que na pesquisa de 12 de julho, 26% dos eleitores de Lula achavam que o plano propiciava ganho salarial, enquanto 39% julgavam-se mais beneficiados e 63% julgavam o plano bom para o país.
Ou seja, na última pesquisa diminuiu o número dos que esperam ganho salarial, mas aumentou a aprovação do plano e a porcentagem dos que se declaram mais beneficiados.
Verifica-se por aí como foram desastrosas as retóricas do CUT e do PT. Cartazes da CUT diziam "parece real mas é pesadelo". Mas o pesadelo era a situação anterior, em que os preços subiam quase 1,5% ao dia.
Lula dizia que quando o trabalhador recebesse seu salário em 5 de agosto, "cairia na real", isto é, perceberia que continua pobre.
Dois equívocos aí. O trabalhador já recebeu em reais em 5 de julho, e verificou que, ao contrário do que ocorria no mês anterior, os preços não subiam depois que ele estava com dinheiro no bolso. Ao contrário, alguns produtos, como a cesta básica, caíram.
E quando o trabalhador recebeu de novo em reais em 5 de agosto, os preços de muitos produtos estavam menores do que em 5 de julho. O trabalhador caiu no real e encontrou situação melhor. Além disso, como indica a pesquisa, só uma minoria de um quarto dos eleitores espera ganho salarial com o real.
Os economistas do PT também destacaram muito a escalada de preços ocorrida nas duas últimas semanas da URV. Mas exageraram esse ponto. A inflação de junho, um índice pelo outro, ficou em 50%, contra os 45% de abril e maio. No dia-a-dia, quem consegue distinguir uma inflação de 1,25% de uma de 1,36%?
Mas as pessoas percebem muito claramente quando os preços param de subir. Essa é sensação dominante, conforme se verificou em todos os países que passaram por programas de estabilização bem sucedidos. É essa sensação que está expressa nos 51% de eleitores que se declaram pessoalmente beficiados com o plano.
Acrescentem-se outros dois fatores. O primeiro: dados da Fiesp e do IBGE indicam que o salário real médio aumentou em abril, maio e junho, justamente nos meses de escalada inflacionária.
O segundo fator: a parada súbita da inflação dá um ganho de renda para os mais pobres, aquelas pessoas que não têm aplicação financeira. Ficavam com cruzeiros podres nos bolsos e agora ficam reais de valor constante.
Tudo considerado, a mudança de discurso do PT, após a entrada de Aloizio Mercadante como vice, é a confissão desses erros de avaliação. Lula agora diz que o real é moeda forte, que isso é bom, mas falta salário no bolso do trabalhador.
Mesmo assim, é um discurso pouco eficiente. Ao dizer que o real é bom, Lula dá crédito a FHC. E quando diz que precisa aumentar o salário, acabará concordando com FHC, pois é óbvio que o tucano também vai dizer que os trabalhadores precisam ganhar melhor.
A diferença é que o tucano dirá que essa melhoria salarial, especialmente do mínimo, depende de uma série de condições, inclusive da reforma constitucional, e tem que ser feita paulatinamente.
Aqui Lula pode marcar a diferença, prometendo, por exemplo, elevar o salário mínimo para R$ 115,00 em um prazo rápido. E pode também apoiar as reivindicações salariais que vão pipocar nestes meses, inclusive a proposta da CUT para que os salários sejam de novo corrigidos mensalmente.
Acontece que as duas medidas são, de fato, imediatamente inflacionárias, como sabe Aloizio Mercadante. O candidato ficaria assim prisioneiro de propostas que trariam de volta a inflação no começo de seu governo.
Na verdade, o terreno da política econômica é hostil a Lula. E é o melhor para seu principal adversário. Aqui, as coisas só pioram para FHC, e melhoram para Lula, se a inflação voltar forte e muito rapidamente.
Mas um candidato a presidente não pode sequer dar a impressão de que torce pela volta da inflação.
Resumo da ópera: o real é um torpedo na candidatura Lula enquanto o plano funcionar. E a culpa não é da mídia, mas dos economistas do PT que não entenderam o programa de estabilização. Pelo menos não o entenderam como os eleitores brasileiros, inclusive os de Lula.

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