São Paulo, segunda-feira, 8 de agosto de 1994
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Trabalho em madeireiras mutila adolescentes em RO

SUSI AISSA
ENVIADA ESPECIAL A ARIQUEMES (RO)

Durante pelo menos nove horas por dia, o adolescente Valdeir Borges da Silva, 16, desafia o perigo diante de uma serra da Madeireira JD, de Ariquemes (em Rondônia, a 195 km de Porto Velho), onde trabalha há cinco meses.
Nem sempre tem sorte. No dia 14 de junho, Valdeir teve a orelha direita decepada pela serra.
Socorrido a tempo, teve a orelha reimplantada, mas, de volta ao trabalho, continuou submetendo-se aos mesmos riscos.
Na última segunda-feira, cerca de 40 dias após o acidente, Valdeir foi fotografado pela Folha manuseando a máquina que o mutilou.
Pior: até aquela data, continuava trabalhando sem registro em carteira e com a mesma carga horária.
Valdeir entra na madeireira às 7 e sai às 18 horas, tendo uma hora e meia para almoço. Ganha um salário mínimo e meio por mês.
Casos como o de Valdeir não são novidade em Ariquemes, onde é grande a presença de adolescentes trabalhando em madeireiras, boa parte deles em situação de risco, conforme a Folha pôde constatar ao percorrer tais empresas.
Mas os casos só vieram à tona há um mês, quando denúncias sobre mutilação de adolescentes em madeireiras da região começaram a ser investigadas pelo Movimento dos Meninos de Rua de Rondônia.
Já foram identificados até agora cerca de 20 adolescentes mutilados em madeireiras de Ariquemes.
Estima-se, porém, que o número de vítimas seja muito maior, já que as empresas não informam os acidentes à Delegacia do Trabalho.
A maioria das vítimas não tinha registro em carteira e sequer teve direito a indenização pelo acidente ou pensão do INSS por invalidez.
"Esta cidade tem um 'exército' de mutilados", diz o pediatra Paulo Meleip, que em seus plantões no pronto-socorro municipal atendeu vários adolescentes vítimas de acidentes em madeireiras.
Contratados geralmente para trabalhar como auxiliares (carregando ou lixando madeira), os adolescentes são logo "empurrados" para as serras.
"Eles contratam e viram as costas: nem perguntam se o garoto tem experiência ou não. Patrão precisa dar instrução quando contrata um empregado", afirma Dorival Vidotti, 26, que sentiu na pele essa falta de instrução.
Anos atrás, os 17 anos, Dorival perdeu quase todos os dedos da mão direita na serra circular da Madeireira São Marcos, onde trabalhava havia dois anos. Só lhe restou um pedaço do polegar.
Numa fiscalização feita em quatro madeireiras locais, a Delegacia do Trabalho de Rondônia constatou que as serras circulares, onde acontece a maior parte dos acidentes, dessas empresas não dispunham de proteção apropriada.
Novas madeireiras deverão ser fiscalizadas nas próximas semanas. Segundo o delegado regional do Trabalho de Rondônia, José Pedro Alencar, o Ministério Público do Trabalho deverá instaurar ação civil pública no sentido de responsabilizar as empresas envolvidas.

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