São Paulo, segunda-feira, 8 de agosto de 1994
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Livro detecta infelicidade americana

BIA ABRAMO
EDITORA DA ILUSTRADA

O que fez das irmãs Lisbon um mistério tão grande que, décadas depois, um grupo de rapazes que conviveu com elas ainda se debatesse para entendê-lo? Simples. Cecília, Lux, Bonnie, Mary e Therese ousaram ser infelizes numa América que compreende tudo, menos a infelicidade.
A força e a originalidade do romance de estréia de Jeffrey Eugenides vem dessa descoberta simples. "Virgens Suicidas" coloca a nu a fragilidade do bem-estar americano, sem recorrer a recursos bombásticos –serial killers, câncer, causas cabeludas de divórcio etc.
Provas externas
Eugenides não precisa de provas externas da degeneração dos subúrbios da classe média americana, só de cinco garotas entre 13 e 17 anos, bonitas mas deslocadas socialmente, que passam a padecer de uma imensa, oceânica infelicidade. E desencadeiam uma epidemia de suicídios.
"Virgens Suicidas" refaz o percurso da normalidade atônita e sem-graça que tomou conta do mundo depois dos anos 60. O ano que separa o suicídio de Cecília e a morte das outras irmãs está e algum lugar no começo da década de 70, assim como o bairro está em alguma cidade grande dos EUA.
Pulsos cortados
Cecília, a mais nova e mais esquisita, é a primeira. Aos 13 anos, corta os pulsos, mas descobrem a garota se esvaindo em sangue na banheira a tempo.
Para comemorar a recuperação da menina, os pais abrem a casa para a vizinhança pela primeira, única e última vez: no meio da festa, Cecília se atira do segundo andar em cima de uma cerca de ferro. E, desta vez, consegue se matar.
As Lisbon, com suas peculiaridades que as fazem quase marginais, encerradas numa casa que vai lentamente se deteriorando, se entregam à tragédia com abandono –e ensinam a esses meninos que prescrutam suas vidas uma incomparável lição de dor e compaixão.
Perplexidade
A perplexidade em torno desta primeira morte impulsiona o romance. A incompreensão em torno da violência que é o suicídio de uma pessoa tão jovem instaura a existência de Cecília –e de Bonnie, Lux, Marie e Therese, por extensão e compaixão– para esses garotos que, anos mais tarde, tentam contar a história.
Objetos que pertenceram às garotas, catalogados e numerados, passam de mão em mão, como se do diário de Cecília, do sutiã de Lux, dos trabalhos de história de Bonnie sobre Simone Weil, dos textos de química de Therese, pudesse emanar a verdade que lhes escapou.
Como em outro clássico sobre (e não para) a juventude, "O Apanhador no Campo de Centeio", trata-se de reconstruir o inominável que é o aprendizado do sofrimento, a primeira consciência da dor.
Dicção adulta
Só que, enquanto Salinger escolhe a voz ansiosa do garoto de 16 anos, em Eugenides a dicção é adulta, desencantada –o galã da adolescência está numa clínica de recuperação para drogados, os meninos com os hormônios à flor da pele se tornaram homens de meia-idade carecas e barrigudos.
Mas da fala deles exala uma discreta inveja da coragem das Lisbon de se recusar, de se conformar.
Título: Virgens Suicidas
Autor: Jeffrey Eugenides
Tradução: Marina Colasanti
Páginas: 212

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