São Paulo, segunda-feira, 8 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lixo hospitalar humano

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O aborto é um homicídiouterino; se legalizado será aadoção da pena de mortepara os inocentes
O desembargador José Renato Naline, na mesa de debates sobre aspectos jurídicos do aborto patrocinada pela Folha em 14 de julho último, explicou, de forma gráfica, que a legislação sobre o assunto significa a legalização da transformação do ser humano, que ainda está no ventre materno, em lixo hospitalar.
A precisa colocação do eminente magistrado objetivou não esconder a verdadeira realidade –quaisquer que sejam os motivos daqueles que o defendem– isto é, de que o aborto elimina uma vida humana e, nos hospitais, este ser humano é transformado em lixo, ao lado de tumores, quistos, fezes e outros restos diariamente retirados dos hospitais ou neles incinerados.
Entendo ser o aborto um homicídio uterino. Se legalizado, representará a adoção da pena de morte para os inocentes que ainda estão no ventre materno. Seu juiz será a própria mãe.
Pagará por um crime que não praticou, ou seja, pagará com a própria vida por ação da mãe, que na maior parte das vezes busca exclusivamente a momentânea satisfação sexual.
Nestas hipóteses, o inocente entregará sua vida, por querer sua mãe praticar o coito sem responsabilidade.
Aqueles que, como eu, são contra a pena de morte para criminosos, não podem ser favoráveis à pena de morte para o nascituro. Aqueles que, como eu, são contra a tortura de criminosos, não podem ser favoráveis à tortura seguida de morte, que o aborto provoca no nascituro.
Por esta razão, houve por bem o legislador supremo declarar que o "direito à vida" é inviolável, nestes termos estando redigido o artigo 5º "caput" da Constituição.
Mais do que isto, tornou tal direito de impossível retirada da Constituição, pois, pelo artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, declarou que os direitos e garantias individuais são imodificáveis até mesmo por emenda constitucional.
No artigo 226 parágrafo 7º, por outro lado, realçou a "dignidade humana" como princípio fundamental, completando a garantia ao direito à vida e exigindo dos pais a paternidade responsável e não a irresponsabilidade do direito de assassinarem seus filhos no ventre materno.
Neste mesmo artigo, garantiu o planejamento familiar, o que vale dizer, permitiu que a responsabilidade paterna seja exercida, para evitar a criação de seres humanos, mas não para liquidá-los, uma vez concebidos.
Para isto o constituinte, respeitando as convicções dos casais, permitiu que a ciência moderna seja valorizada, mas, em nenhum momento, tal dispositivo admitiu que, uma vez concebido o ser humano, à título de planejamento "mal dirigido", fosse ele executado sumariamente.
O aspecto mais importante, todavia, a ser meditado é o esculpido no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal. Por ele todos os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e nos tratados internacionais assinados pelo Brasil são cláusulas pétreas, isto é, normas que nem por emenda constitucional podem ser modificadas.
Ora, o Brasil assinou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Em seu artigo 1º, parágrafo 2º, declara que "todo o ser humano é uma pessoa", acrescentando, no artigo 4º, parágrafo 1º, que toda a pessoa tem direito à vida que deve ser protegida pela lei a partir da concepção. O Brasil promulgou tal convenção pelo decreto nº 678 de 6/11/92.
É de se lembrar que a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, ratificada pela 2ª Conferência dos Direitos do Homem em Teerã prevê:
"Considerando que a criança em razão de sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção especial e de cuidados também especiais, sobretudo de uma proteção jurídica apropriada, tanto antes como depois do nascimento... A criança deve poder crescer e desenvolver-se de maneira sadia: com tal fim, devem assegurar-se-lhe cuidados especiais e uma proteção especial, tanto como a sua mãe, sobretudo cuidados pré-natais adequados", o que vale dizer para o mundo e para o Brasil, que a criança é assim considerada tanto antes como depois do nascimento.
E ao promulgar a Convenção dos Direitos da Criança (decreto nº 99.710/90), o Brasil reforçou a imutabilidade do "direito à vida", plasmado como o principal direito do homem, em sua Constituição.
Por esta razão, sou coerente em minha postura de permanente defesa à vida –pertenço à Anistia Internacional há mais de cinco anos–, pois sou contra a pena de morte, a eutanásia e o aborto.
Já tenho procuração da Associação Pró-Vida, que foi criada em âmbito nacional exclusivamente para proteção desse fundamental direito, para, se vier a ser aprovada a legislação que legaliza o homicídio uterino e a transformação do ser humano em lixo hospitalar, entrar com ação direta de inconstitucionalidade a fim de que seja respeitada esta cláusula consagrada nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Ao contrário da Constituição anterior que apenas protegia os "direitos concernentes à vida", a atual protege o próprio "direito à vida".
Tomarei esta iniciativa, se necessário, na convicção de que estarei preservando a vida de inocentes, que poderão no futuro ajudar o crescimento do país e lutar pelos reais valores que dignificam a humanidade.

Texto Anterior: Carta aberta ao Lula
Próximo Texto: Atlas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.