São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Agricultura vai jogar na retranca

AMILCAR GRAMACHO

Muito menos pelo sucesso das estratégias da dupla Zagalo e Parreira nesta 15ª Copa Mundial de Futebol, felizmente encerrada, do que pela busca de sucesso do nosso mais recente plano de estabilização, o agricultor nacional vai ter que trabalhar sua próxima safra em ritmo de retranca. Se não, dança. As razões para a tática defensivista são muito claras.
1º - A manutenção da Taxa Referencial (TR) nos financiamentos contratados antes de 1º de julho vai aumentar seus custos financeiros.
Como o mercado não vai absorvê-los, a fatura morre no produtor, encurtando o seu fôlego para o autofinanciamento da safra.
2º - A equivalência em produto (uma estratégia inventada há dois anos para evitar os choques dos planos) teve sua abrangência reduzida, preservando apenas a parcela dos produtores que conseguiram créditos para o custeio de arroz, feijão, milho, mandioca, trigo e algodão.
Mesmo assim, as coisas se complicam a partir de 1º de julho pois o fato da TR vai acabar empurrando boa parte desses produtos para os estoques governamentais da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
3º - Os preços mínimos vão deixar de ter qualquer credibilidade, uma vez que o governo não pretende indexá-los.
Se o fizesse, estaria contrariando a regra de não-indexação nos contratos de período inferior a 12 meses.
4º - A política cambial, até então relativamente estável apesar da inflação elevada, tornou-se uma variável-escudo do atual plano e, como tal, prevista para absorver muitas das possíveis reações da economia, rebatendo-as na forma de riscos muito maiores no processo de formação de preços de produtos exportáveis e importáveis.
5º - As metas monetárias rígidas, anunciadas pelo Banco Central, congelaram os recursos provenientes dos depósitos à vista aos níveis de junho último.
Esses níveis são inferiores a 15% das necessidades de crédito do setor para a próxima safra de verão (94/95).
A alternativa que resta são os recursos da poupança rural, com base na TR, já que as verbas do Tesouro são insignificantes.
6º - O mercado, que de algum tempo para cá vinha contribuindo de forma crescente com o financiamento da produção (créditos de fornecedores de insumos, compra antecipada da produção tipo soja-verde, dentre outros), dá fortes sinais de retração, o que deve ser interpretado como apreensão com os riscos da presente conjuntura.
Neste ambiente, o produtor só pode ter em mente a experiência amarga do Plano Collor pelo qual ou pagou injustamente o que não devia ou continuou inadimplente no banco.
Um problema, aliás, que o governo empurrou para rediscutir no final do ano, sem ter sinalizado qualquer alternativa para sua solução.
Planta-se pouco quando o clima é muito inseguro. Essa é uma regra básica da agricultura.
Não é, certamente, o jogo que agrada a grande platéia dos consumidores urbanos, muito menos os desejos dos gestores da política econômica, mas é o caminho que os agricultores estão definindo para a próxima safra.

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