São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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A questão dos encargos trabalhistas

RUBEN D. ALMONACID ; MÁRCIO I. NAKANE ; SAMUEL A. PESSÔA

RUBEN D. ALMONACID, MÁRCIO I. NAKANE ; SAMUEL A. PESSÔA
Um importante debate tem acontecido neste espaço e que diz respeito à importância (ou não) dos encargos trabalhistas na composição dos custos das empresas e, portanto, seu impacto sobre a geração de empregos e competitividade das empresas brasileiras.
O professor José Pastore, em entrevista na Folha de 23/04/94, comentando os resultados de uma pesquisa recente ("Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva", Editora LTr, 1994), manifestava a opinião de que os elevados encargos trabalhistas constituem um forte fator de inibição na geração de empregos no Brasil.
O professor Edward J. Amadeo, em dois artigos (Folha de 04/01/94 e 04/06/94) manifestou posição diversa; enquanto este calculava encargos de 24,5% sobre a folha de salários, o professor Pastore chegava ao total de 102,1% para os mesmos.
Tal diferença deve-se ao fato de que os dois autores têm conceitos distintos de encargos. Para o professor Amadeo os encargos são "a diferença entre o que o trabalhador recebe e o que a empresa paga", enquanto para o professor Pastore "os encargos sociais compõem o custo final do fator trabalho para a empresa".
A diferença é que o professor Amadeo não considera como encargos os gastos do empregador que retornam ao trabalhador como por exemplo, "o 13º, o abono de férias, o FGTS, o uso do dinheiro do Sesi, o vale transporte, o salário maternidade e doença etc.".
Para resumir, diremos que os gastos do empregador dividem-se em dois grupos: aqueles que não retornam ao trabalhador (por exemplo, INSS), que chamaremos de "encargos"; e aqueles que retornam a ele (por exemplo, repouso semanal e décimo terceiro salário), que chamaremos de "salário indireto". Em contraposição, chamaremos de "salário indireto" ao pagamento por hora trabalhada ou por tarefa.
Portanto, o professor Amadeo considera como encargo trabalhista somente o que chamamos de "encargos" (na sua avaliação, INSS, salário educação e contribuição relativa a acidentes do trabalho); enquanto o professor Pastore considera como encargo trabalhista a soma dos "encargos" com o "salário indireto".
Não pretendemos nesta nota entrar no mérito da discussão empírica, qual seja, se tais encargos são ou não elevados, mas sim, chamar a atenção para alguns pontos conceituais que julgamos importantes para uma melhor compreensão da questão.
Do ponto de vista econômico a discussão relevante é saber o impacto destes encargos sobre a eficiência produtiva. Isto equivale a discutir qual é o conceito de salário relevante nas decisões dos agentes econômicos (empresários e trabalhadores).
Quando o professor Amadeo exclui dos encargos o "salário indireto" ele entende que o conceito relevante de salário para as decisões do trabalhador é a soma deste com o "salário direto". Esta soma dividida pelas horas trabalhadas (ou pelas tarefas) constitui seu salário médio.
Para que o leitor entenda o ponto que desejamos ressaltar considere o seguinte exemplo. Suponha que existam na economia dois tipos de empresas.
As empresas tipo um não pagam salário indireto, pagam R$ 1,00 por hora trabalhada e trabalha-se dez horas por dia. Portanto, seu trabalhador recebe R$ 10,00 por dia com um salário médio de R$ 1,00. As empresas tipo dois pagam R$ 5,00 de salário indireto por dia, R$ 0,50 por hora trabalhada e também trabalha-se dez horas por dia. O salário por dia e o salário médio, portanto, são idênticos para os trabalhadores de ambas as empresas.
Nesta situação, diria o professor Amadeo, os trabalhadores de ambas, por receberem o mesmo salário médio, comportar-se-iam da mesma forma e as empresas, portanto, produziriam com a mesma eficiência.
A teoria econômica ensina, contudo, que os agentes reagem a incentivos marginais, que no exemplo corresponde ao salário por hora trabalhada. É de se esperar que o comportamento dos trabalhadores em ambas as empresas seja, assim, radicalmente distinto: certamente o incentivo à presença no trabalho é maior nas empresas do tipo um onde a falta de um dia acarreta uma perda de R$ 10,00 do que nas empresas do tipo dois que acarreta uma perda de R$ 5,00.
Um outro exemplo ajudará o leitor a entender a distinção entre incentivo médio e marginal. Imagine duas churrascarias: a primeira funciona no sistema "a la carte" (o consumidor paga por porção de carne pedida) e a segunda funciona no sistema rodízio (o consumidor paga uma quantia fixa e consome à vontade). É claro que o mesmo comensal terá comportamentos distintos nas duas churrascarias. Consumirá menos carne na churrascaria "a la carte" ainda que o gasto seja o mesmo.
No que diz respeito, portanto, à eficiência produtiva o conceito relevante de salário é o marginal. Certamente, parte do salário indireto, por exemplo, o abono de férias, salário-maternidade, vale-transporte, por aumentar o salário médio, mas não o marginal, não tem impacto sobre o esforço de trabalho. É claro que outros itens, como o repouso semanal remunerado, se assemelham a uma remuneração na margem e, assim, devem ser excluídos dos encargos.
Note que para o professor Pastore os encargos são entendidos segundo seus impactos sobre o custo do empregador. Mas se a discussão refere-se aos efeitos sobre o mercado de trabalho está correto o professor Amadeo ao afirmar que o importante é a diferença entre o custo percebido pelo empregador e o salário recebido pelo trabalhador. No entanto, ao considerar o salário médio e não o marginal, subestima esta diferença.
Outro importante ponto é o tratamento assimétrico dispensado pelo professor Amadeo ao FGTS "vis-à-vis" o INSS.
O primeiro é contabilizado como salário indireto quando sabe-se que sua correção é feita por índices que subestimam a taxa de inflação e seu acesso é restrito. Assim, este fundo não retorna integralmente ao trabalhador.
Quanto ao INSS, parte de sua contribuição retorna a ele sob a forma de serviços de saúde e pagamento de pensões. Não se justifica, portanto, a sua total exclusão do "salário indireto".
Este ponto é mais relevante quando se trata de comparações entre países: quanto maior for a eficiência do setor público na gestão desses fundos (aposentadoria e correlatos) e na administração da assistência à saúde maior é o "salário indireto" e menores serão os "encargos" para um mesmo montante de contribuição.
Entre os itens que compõem os encargos merece menção os custos de rescisão contratual.
Estes custos, novamente, podem ser divididos entre aqueles que retornam ao trabalhador (por exemplo, aviso prévio e indenização de 40% calculada sobre o saldo do FGTS) e aqueles que não retornam. Nesta última são de particular importância os custos para a empresa da Justiça trabalhista.
É uma posição de senso comum (que merece um estudo mais rigoroso) que a Justiça trabalhista tem um viés pró-trabalhador. Mesmo em demandas sem fundamento sua posição tem sido favorável a ele.
Esta peculiaridade faz com que o benefício para o trabalhador de uma pendência seja alto enquanto o custo é baixo uma vez que os advogados trabalhistas cobram um percentual sobre o resultado da ação. A estrutura de incentivos é clara: quer o trabalhador tenha ou não razão sente-se estimulado a entrar com a ação.
Assim, apesar de difícil mensuração, tais considerações nos levam a crer que o valor apresentado pelo professor Pastore para as "despesas de rescisão contratual" (2,57%) encontra-se subestimado.
Assim, acreditamos que uma avaliação empírica que considere os pontos aqui discutidos (distinção entre salário médio e marginal, eficiência do setor público e os elevados custos da rescisão contratual) ajudarão a uma melhor compreensão do real impacto sobre a eficiência produtiva dos encargos trabalhistas.

RUBEN D. ALMONACID, 50, é doutor em Economia pela Universidade de Chicago (EUA). Foi professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo) de 1971 a 1991.
MÁRCIO I. NAKANE, 28, é mestre em Economia e professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
SAMUEL A. PESSÔA, 31, doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP e professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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