São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 1994
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Delenda est Confaz

LUIZ WALTER COELHO FILHO

As instituições nascem puras e se deformam no exercício do poder. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) surgiu a partir da idéia de um mecanismo institucional, em nível nacional, que controlasse e coordenasse a concessão de benefícios fiscais associados ao ICM, evitando a sua utilização como instrumento de política econômica dos Estados.
Em 1975, foi editada a lei complementar nº 24, definindo que as isenções e demais benefícios fiscais seriam concedidos ou revogados mediante convênios firmados e ratificados, a unanimidade, pelos Estados. O objetivo era tornar o ICM um imposto neutro.
O exercício de tais atribuições fortaleceu a capacidade de articulação dos interesses fazendários. Na Constituição de 1988, o Confaz conquistou uma competência legislativa supletiva, ficando estabelecido que, enquanto não editada lei complementar necessária à disciplina do ICMS, competiria aos Estados fixar mediante convênio as regras provisórias.
Na ausência de lei, o Confaz aprovou o convênio nº 66/88 que passou a disciplinar, no entendimento do Fisco, integral e provisoriamente a instituição do ICMS. Desta forma, um "cartel de secretários de Fazenda" passou a legislar, de forma unilateral, sobre o ICMS.
Na vigência do ICM, sua instituição e cobrança estavam subordinadas às normas do decreto-lei nº 406/68, que defina as condições gerais necessárias à sua cobrança. Promulgada a Constituição de 1988, diversos juristas alertaram que o decreto-lei nº 406/68 havia sido recepcionado, só podendo o convênio nº 66/88 "legislar" nas lacunas.
O Confaz, como era de se esperar, exerceu a sua competência em favor do Fisco, o que fez surgir diversos tipos de ações, onde o conflito entre o decreto-lei nº 406/68 e o convênio nº 66/88 despontava como questão central.
No Judiciário, galgaram as suas instâncias, cabendo ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), última instância de interpretação da legislação infraconstitucional, decidir de forma pacífica que a competência atribuída aos Estados para, na ausência de lei complementar necessária à instituição do ICMS, celebrarem convênio para regular provisoriamente o mencionado imposto, restringe-se às lacunas existentes e às matérias legais não recepcionadas pela Constituição.
Recentemente, o Diário da Justiça, publicou decisão da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que, à unanimidade, acolheu a tese da vigência do decreto-lei nº 406/68. Definiu o acordão que o convênio 66/88 decorre de "competência legislativa supletiva, que deveria ter sido exercida tão somente para preenchimento de lacunas verificadas em face da legislação recepcionada pela nova Carta".
O processo foi remetido ao plenário do STF que manteve a decisão, firmando um precedente que deverá uniformizar a jurisprudência. A subordinação do convênio nº 66/88 ao decreto-lei nº 406/68 implica na eliminação de diversos dispositivos, merecendo a matéria um cotejamento rigoroso, a fim de identificar o que favorece o contribuinte.
Por sua vez, a concessão de benefícios fiscais ainda constitui um problema para as empresas localizadas em Estados que possuem uma visão "fiscalista", pois elas perdem competitividade quando comparadas com aquelas localizadas em outros Estados, por força de vantagens fiscais não estendidas.
O Confaz com as suas características atuais representa uma instituição sem rosto, que exerce um poder usurpado do Congresso Nacional, contrário aos interesses do contribuinte e que realiza com discutível eficácia o propósito para o qual foi criado.
A inércia legislativa não permite prever quando será editada uma nova lei complementar. É provável que demore, pois, esta situação é compatível com os interesses da Administração Fazendária.
Contudo, a interpretação do Judiciário representa um primeiro golpe na hegemonia do órgão, limitando em grande parte a sua pretendida autonomia legislativa. Esta vitória é motivo de alegria para o contribuinte. Outras virão! Por ora, só resta propugnar: delenda est Confaz.

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