São Paulo, domingo, 14 de agosto de 1994
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Uma janela de papel

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 14/08/94

Faltou incluir legenda para a foto na parte inferior esquerda desta página, que mostra moedas. Apesar de não haver imagem oculta na foto, como nas demais, as moedas podem ser vistas em três dimensões usando a técnica escrita no artigo.
Uma imagem vale por mil palavras. Mas umas dez linhas de programa de computador podem gerar imagens tridimensionais que deixam qualquer um sem palavras.
O nome da mágica: estereogramas. Eles estão no livro Olho Mágico, mania no mundo todo que agora no Brasil.
Para começar a enxergar é preciso paciência, muita paciência. Cada um dos estereogramas desta página traz escondida uma imagem em três dimensões (veja legenda).
Acima, a bandeira do Brasil e uma gota de chuva caindo. Ao lado, uma flor. Abaixo, um cavalo passeando ao lado de árvores. Não viu nada disso? Não se desespere. Ninguém vê logo de cara.
Primeiro é preciso relaxar os olhos e fazê-los divergir, como se estivessem olhando através da página, não para ela.
Um modo de conseguir é colar o nariz no estereograma e ir afastando o papel aos poucos, sem forçar o foco, mas esperando que a imagem se focalize sozinha.
Outro modo é pôr um vidro sobre o jornal e tentar focalizar algum reflexo nele, uma lâmpada por exemplo. Aos poucos a ilusão tridimensional se forma.
Todo o fenômeno está relacionado ao modo como o cérebro discerne a profundidade, diz Tom Baccei, 50, que popularizou os estereogramas no Japão, EUA e Europa com o livro Olho Mágico.
Confirme esse fenômeno colocando o dedo na frente do nariz. Feche apenas um olho: primeiro o direito, depois o esquerdo. A imagem do dedo vai pulando de um lado para outro.
Quando os dois olhos vêem o dedo juntos, o cérebro funde as duas imagens e cria uma terceira, chamada imagem estereoscópica, que dá a ilusão de profundidade.
Os estereogramas tiram proveito desse princípio. Com a folha de papel a uma distância adequada (que varia dependendo da pessoa), cada olho enxerga um conjunto de pontos diferentes.
No cérebro são reunidas as imagens dos dois olhos, formadas pelos pontos. Baccei compara a folha de papel ao vidro de uma janela.
Imagine alguém dentro de casa olhando pela janela alguém do lado de fora, diz ele. Como cada olho tem visão um pouco diferente, vai haver duas imagens separadas transpostas no vidro.
As imagens separadas, desenhadas sobre o papel da maneira adequada, dão impressão de que é ele o vidro através do qual se observa a paisagem.
Por isso é preciso fazer os olhos enxergarem através do papel para ter a ilusão tridimensional. Para astigmatas ou estrábicos, é muito mais difícil –ou podem nem ver.
Se você ainda não conseguiu, não desista. Para chegar ao programa de computador que produz as imagens de fato foram necessários mais de 30 anos.
Os primeiros estereogramas foram feitos em 1959 pelo pesquisador Bela Julesz, dos Laboratórios Bell da AT&T e da Universidade de Chicago, nos EUA.
Julesz representou imagens tridimensionais por dois padrões de pontos aleatórios, vistos através de um dispositivo chamado estereoscópio (um tipo de óculos que faz cada olho ver uma das imagens).
Mas foi só em 1990 que pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Olho Smith-Kettlewell, em San Francisco, descreveram um método computacional para gerar esses padrões.
Nessa época, Baccei, que além de ter sido condecorado pela Força Aérea dos EUA já havia sido músico de blues, professor e carpinteiro, trabalhava numa empresa de computação.
Mesmo tendo abandonado o curso de matemática em 1966, Baccei havia acompanhado várias matérias nas Universidades Harvard e de Massachusetts.
Interessou-se pelos estereogramas e fez um anúncio para um produto da empresa onde trabalhava usando a técnica.
A resposta ao anúncio foi tão grande que a empresa quis fabricar os próprios estereogramas. O próximo passo de Baccei foi fundar sua própria empresa: a N.E.Thing (trocadilho em inglês com a expressão qualquer coisa).
Olho Mágico, seu primeiro livro, foi traduzido para 19 línguas. Com dois livros, Baccei vendeu cerca de 6,5 milhões de cópias. Para o terceiro, a ser lançado em setembro, encomendou 1 milhão.
Uma das técnicas usadas por Baccei, chamada pontos de Salitsky, torna possível gerar pontos de modo não aleatório, mas a partir de formas definidas.
É essa a diferença entre o estereograma da flor e o da bandeira do Brasil. No primeiro, a imagem é formada a partir de imagens de outras flores. No segundo, a partir de pontos ao acaso.
Em ambos os o começo é a chamada escala cinza (veja legenda abaixo), em que 256 tons de cinza simulam a visão em profundidade.
O computador lê essa imagem e, para cada ponto cinza, gera pontos coloridos espaçados de acordo com a distância que separa os olhos (cerca de 7 cm). Os pontos, vistos pelos dois olhos simultaneamente, dão a ilusão tridimensional.
Os pontos são alterados de modo que cada olho tenha visão um pouco diferente. Os pontos de Salitsky permitem que isso seja feito com padrões mais complexos, pictóricos, diz Baccei.
Ele quer patentear os pontos de Salitsky. Mas prova de que não há grande segredo nos estereogramas é a bandeira do Brasil desta página, feita pelo estudante de computação da USP Júlio Otuyama.

OLHO MÁGICO - Uma nova maneira de ver o mundo, Ilusões 3D (da N.E.Thing Enterprises), Livraria Martins Fontes Editora (rua Conselheiro Ramalho, 330, cep 01325-000, São Paulo/SP, tel. (011) 239-3677). 32 págs. R$ 14,50.

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