São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Músico deixa mercado mandar

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Até há bem pouco tempo, Ben Jor reagia à exagerada elaboração de estúdio. Hoje parece permitir as liberdades mais largas em relação à sua obra. Preço do sucesso?
Em 1990, Ben dizia que sua música perdia com o acréscimo de certa batida ou com o enxerto de determinado estilo. Chegou a romper com o produtor do disco "Benjor" (1989), Nando Reis, porque este tentou associá-lo à world music.
O rigor de Ben era justificável. Ele foi dos poucos músicos brasileiros a ter criado uma linguagem. Ele forjou seu estilo no bojo da bossa nova, ainda em 1962. Pôs o violão para batucar, aboliu o tonalismo e o registro erudito que haviam caracterizado o movimento de João Gilberto.
Adotou as escalas modais, a polirritmia negra, as letras com cara de reportagem. Seu primeiro sucesso foi "Mas Que Nada", música lançada pelo organista Zé Maria e conjunto em 1963.
A novidade não saiu do nada. Zé Maria e Orlandivo –dois desprezados na MPB– inventaram o sambalanço ou balanço e vincaram profundamente o estilo de Ben.
Ele conseguiu realizar um sincretismo sonoro que mais tarde seria chamado de música pop. Apelidou-o de "samba esquema novo". Era samba, jongo, jazz, soul, bossa nova, Jovem Guarda. Esta última influência o levou à primeira eletrificação da MPB, em 1967, no disco "O Bidu".
Detalhe: Na época, Gilberto Gil e Elis Regina fizeram uma passeata contra a presença da guitarra na MPB. Ben passou a ser "persona non grata" nas hostes emepebistas. Teve sorte de encontrar discípulos entre os tropicalistas. Os primeiros refrões de guitarra emitidos em discos de Gil e Caetano foram plasmados em Ben.
Em 1969, na debandada tropicalista, lançou "País Tropical" e um estilo mais afro, com o qual atravessou as décadas de 70 e 80.
Nos 70, criou "Fio Maravilha", "A Banda do Zé Pretinho" e "Taj Mahal". "Spyro Gyro" veio da safra escassa dos 80, anos de insistência em uma marca.
O êxito de dois funks –"W/Brasil" e "Engenho de Dentro", respectivamente de 1991 e 1993– alterou a postura do músico. Ele atingiu o topo das paradas e se encantou pelas leis do mercado. No último verão, virou "muso" de uma marca de cerveja.
Não surpreeende ele permitir agora que dois produtores sapateiem em cima de seu baú musical. Muitas vezes o artista não tem –ou perde– a dimensão da obra.
Estranho os produtores do disco considerarem "local" o som de Ben e desejarem universalizá-lo. Isso é uma impossibilidade lógica.

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