São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Solás comenta crise do cinema cubano

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO

Humberto Solás forma ao lado de Tomás Gutierrez Alea, Julio García Espinosa e Santiago Alvarez o quarteto principal do cinema cubano pós-revolução de 1959.
Marcaram época seus filmes, como "Lucia" (1968), "Cecilia" (1982) e "Um Homem de Sucesso" (1986), vários dos quais sofrem problemas com a censura política cubana.
Solás participou do júri do 22º Festival de Gramado, encerrado nesta madrugada. Com exclusividade, falou à Folha sobre o impacto do concorrente cubano "Morango e Chocolate" e sobre as repercussões da crise econômica na produção de cinema. Leia abaixo uma síntese do encontro.

Folha - Como está o cinema em Cuba?
Humberto Solás - O cinema cubano não é o que era antes. O país também. A crise econômica mudou as estruturas do pensamento. Seria interessante que o cinema cubano desse mais importância ao documentário para retratar esse momento de efervescência.
Por sua vez, o cinema de ficção foi reduzido de quinze filmes por ano para dois, produzidos para os mais jovens ou estreantes. Cineastas como eu têm que buscar os investidores fora do país.
Folha - O senhor está trabalhando num novo projeto, não?
Humberto Solás - Não posso conseguir capital em Cuba para fazer cinema. Quero fazer um filme-testemunho sobre este "período especial", a crise econômica e os conflitos sociais. Será um filme em super-16mm, uma espécie de "road-movie" na Cuba de hoje.
Vou percorrer o país com três atores e um roteiro já construído, mas aberto para absorver mudanças em virtude de acontecimentos reais. Chama-se "Mel para Oxum".
Folha - E o impacto em Cuba de "Morango e Chocolate"?
Humberto Solás - O filme bateu o recorde nacional de bilheteria, devendo ter superado os três milhões de espectadores. Não foi fácil chegar a um filme como esse.
Pago pelo Estado cubano, faz uma autocrítica deste mesmo Estado. Mas os cineastas cubanos conseguiram numa batalha longa e dramática ocupar um espaço absolutamente independente, apesar das velhas estruturas de pensamento e de burocracia.
Os antigos esquemas econômicos de produção continuam socialistas, mas do ponto de vista formal conseguimos superar isso. O cinema cubano foi o único dos países socialistas que conseguiu a independência dos cineastas. Na Europa isso não foi possível.
É um filme com um impacto vigoroso sobre a vida nacional. O filme consternou o país, pôs em xeque toda uma série de preconceitos e valores, e contribuiu muito para o amadurecimento da esquerda cubana.
É um filme a favor da solidariedade nacional e de Cuba como um espaço para diferentes tendências e opiniões.
Folha - Como o senhor viu o recente exílio do diretor do festival de Havana, José Horta?
Humberto Solás - Me desconcertou. Era alguém muito eficaz. Estabelecemos um compromisso com alguns fundamentos da revolução que são inobjetáveis, como uma vontade de emancipação, a busca de uma identidade politica e cultural do povo cubano.
Creio que nosso dever é ficar dentro da ilha e ser protagonistas, tendo uma posição de polêmica. Não considero o ato de Horta nem de covardia, nem de traição, mas sim de fraqueza.
Folha - Nesta semana, o 5º Festival Internacional de Curtas de SP traz uma homenagem ao documentarista Santiago Alvarez. Qual sua importância para o cinema cubano?
Humberto Solás - Ele renovou as estruturas do documentário cubano. Foi sempre um ortodoxo, mas todos celebramos seu talento. É um humanista e um revolucionário da linguagem cinematográfica.
Sua caligrafia é única, incorporando ao documentário cubano técnicas desenvolvidas pela "nouvelle vague".

O crítico Amir Labaki viaja a Gramado a convite da organização do festival.

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