São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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O leite derramado

NELSON MANCINI NICOLAU

No processo de negociação dos preços do leite temos ressaltado três argumentos principais, que no momento devem ser priorizados dentro da complexa realidade que envolve este produto.
O primeiro deles refere-se ao custo de produção muito maior do que o preço recebido por litro de leite.
Contra um custo entre R$ 0,24 e R$ 0,25, os produtores receberam em torno de R$ 0,20 por litro de leite C.
Com prejuízo em cada litro produzido, os produtores profissionais estão em desespero.
Muitos estão liquidando seus plantéis. Outros, sem alternativa, enfrentam rápida descapitalização e empobrecimento.
O mínimo seria uma remuneração justa, que cobrisse os custos de produção e garantisse uma pequena margem de lucratividade, ou seja, os R$ 0,29 reivindicados.
O segundo ponto decorre diretamente do anterior. Com o fim do produtor especializado, jamais teremos a garantia de um abastecimento estável.
Buscando matéria-prima barata, usinas, laticínios e compradores de leite em geral têm privilegiado o crescimento dos safristas, ou seja, do leite originário de pecuária mista ou de corte.
Isto porque nas épocas de chuva, com a melhoria das pastagens, as vacas matrizes de bezerros de corte passam a ter uma sobra de leite que não é consumida pelo bezerro.
Este leite "extraído" sem nenhum custo, remunerado como tem ocorrido entre R$ 0,15 e R$ 0,18, constitui-se em um grande negócio, pois o leite é produto secundário em relação ao bezerro de corte.
Como este leite diminui na entressafra, a falta de produto é compensada pela importação de produto geralmente subsidiado.
Assim garante-se uma matéria-prima barata, mas se contribui com a liquidação da pecuária leiteira especializada.
Fatalmente não teremos espaços para investimentos em qualidade, tecnologia, genética e produtividade e, principalmente, para a estabilidade do abastecimento. Pelo contrário, sem lucro estamos vendo a decretação do fim da pecuária leiteira nacional.
Por último, os prejuízos na conversão para o real. Sempre que ocorriam os reajustes dos preços do leite, os valores eram definidos em torno de US$ 0,52 para o consumidor e 56% deste valor para o produtor, ou seja, cerca de US$ 0,29, com um prazo para pagamento de aproximadamente 22 dias após a entrega, sem correção.
Com a queda da inflação no Plano Real, os compradores de leite passaram a pagar ao produtor apenas R$ 0,20. Isto é, estão garantindo às custas do produtor o que obtinham como receita financeira durante o prazo do efetivo pagamento.
Ora, se o consumidor paga R$ 0,52 em moeda estável e a inflação "sumiu", o produtor deveria receber R$ 0,29 e não ter reduzida a porcentagem de sua participação no preço final de 56% para menos de 40%.
A persistir esta situação, a vaca que já foi para o brejo há muito tempo, vai se atolar de vez.

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