São Paulo, sábado, 20 de agosto de 1994
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Vésperas sicilianas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O navio fez escala em Palermo, a caminho das Ilhas Baleares. Da Sicília eu conhecia a outra parte, Taormina e Catânia, no outro lado da ilha, por isso desci e fui assuntar a cidade.
Se fosse adjetivo, Palermo não seria o masculino de palerma: o pessoal lá é vivíssimo. Numa praça chamada "da Vergonha", cheia de estátuas nuas e sicilianas vestidas, um cara fazia uma espécie de discurso eleitoral, embora não houvesse eleição à vista. Falava, ao que parecia, institucionalmente, garantindo que a Máfia não existia mais, que a atual geração de sicilianos dera um basta às velhas estruturas e ameaçava: "Quem não acreditar que a Máfia acabou, nós o mataremos!"
Por essas e outras a Sicília sempre foi fascinante, razão da primeira Guerra Púnica entre Roma e Cartago –cujas ruínas visitei emocionadamente, na luminosa poeira do sol mediterrâneo.
Séculos depois dessa distante guerra que tanto ajudou a reprovar alunos de história e latim ao longo de gerações, outra guerra ali se travaria fazendo desabar a sociedade feudal ao sopro libertador de Garibaldi. Foi nela que Tomasi di Lampedusa se inspirou para escrever "O Leopardo" que Visconti filmaria, assim como as sangrentas Vésperas Sicilianas haviam inspirado Verdi para a ópera homônima.
O romance de Lampedusa ficou famoso por uma frase: o príncipe latifundiário que ainda vivia num esquema medieval admite que "é preciso mudar para que tudo continue na mesma".
Foi nisso que pensei quando procurei tomar conhecimento das novidades da pátria da qual me afastara e da qual não tivera tempo para sentir saudades. Os principais candidatos prometem mudanças, eles se mudam entre si trocando posições e programas, o eleitorado também muda, flutuando ao vento das pesquisas. De tempos em tempos, o Brasil muda as coisas –inclusive a moeda– para que tudo continue na mesma.

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