São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Sobre o manicômio

GABRIEL FIGUEIREDO

As denúncias veiculadas pela Folha e ainda em fase de investigação envolvendo um manicômio paulistano no desaparecimento de 20 pacientes nos últimos dois anos reacende a secular discussão a respeito deste tipo de instituição como espaço de exclusão e violência.
Entretanto, nossa análise crítica não se esgota no caráter excludente e violento do manicômio. Tão grave quanto é a nossa lentidão nas providências para a reforma psiquiátrica no Brasil. Nossa legislação psiquiátrica é de 1934, com algumas emendas de pouca expressão.
Dos anos 30 para cá, a psiquiatria evoluiu muito, principalmente após a Segunda Grande Guerra. Assim, pesquisas nos campos genético e bioquímico se avolumam, psicofármacos interrompem delírios, alucinações e outros sintomas graves se multiplicam, teorias e técnicas psicoterápicas se aprimoram e o reconhecimento crescente dos fatores ambientais, presentes na etiologia e no tratamento dos transtornos, completa a visão biopsicossocial da psiquiatria contemporânea.
Nesse contexto, o manicômio ficou obsoleto. Deve ser superado por novos modelos. Experiências internacionais e nacionais, estas últimas limitadas a instituições públicas e universitárias, recomendam o Hospital Geral como espaço de tratamento em casos de internação.
Seus benefícios em relação ao manicômio são vários: as internações são breves, dispõe de mais recursos clínicos, tem uma tradição de reconhecimento da cidadania do paciente –o que falta ao manicômio– e uma inserção maior na comunidade...
Outro modelo interessante, e que também vai se afirmando, é o Hospital-Dia. Aqui os pacientes passam o dia em tratamento e no final da tarde voltam para a casa, a fim de manterem preservados os vínculos familiares e comunitários. O maior desafio é o contingente de pacientes crônicos, que assim ficaram pela conjugação das suas doenças à iatrogenia manicomial.
Abandonados pelas famílias e à margem, restam medidas de humanização do ambiente para o qual foram condenados –lares abrigados, pensões protegidas–, buscando oferecer-lhes um final de vida menos penoso, se é que é possível.
E assim, conforme Christian Reil, sensível psiquiatra alemão do século 19, "eles serão levados para os túmulos que encerrarão as suas misérias e cobrirão a nossa indignidade".

GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO, 50, psiquiatra, é professor de psiquiatria clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Puccamp (Pontifícia Universidade Católica de Campinas). Foi diretor da Divisão de Ambulatórios de Saúde Mental do Estado de São Paulo (governo Montoro). É autor de "O Príncipe e os Insanos".

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