São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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As leis no papel

JANIO DE FREITAS

A Justiça Eleitoral e, em particular, a sua Corregedoria Geral estão em momento decisivo para sua respeitabilidade.
De uma parte, a interferência do governo no processo eleitoral está documentada, por escrito pelo ministro Alexis Stepanenko e em declarações do ministro Aluizio Alves, caso não se queira considerar as intervenções do próprio presidente da República com decisões sobre casas populares e distribuição de alimentos. De outra parte, as leis são taxativas na exigência de reprimir e punir o abuso do poder de autoridade. No meio, porque acima ainda não está, encontra-se a Justiça Eleitoral.
Diz o art. 19 da lei complementar 64/90 que "a apuração e a punição das transgressões (...) terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do DF e dos Municípios".
Já o art. 21 determina que as transgressões sejam "apuradas mediante procedimento sumaríssimo de investigação judicial, realizada pelo corregedor geral e corregedores regionais eleitorais". Tem razões portanto, o desembargador Jerônimo de Souza, corregedor eleitoral do DF, para dizer que "está na hora da Justiça Eleitoral dar um cartão amarelo ao presidente Itamar e ao governador Roriz" (de Brasília). A fazer-lhe algum reparo, é quanto à cor do cartão, própria apenas para advertência.
O bilhete de Stepanenko reproduzido pela Folha , ligando o uso de verbas públicas a finalidades eleitorais, é inequívoco: não precisa de interpretação, é desabridamente explícito. As declarações de Aluizio Alves, reconhecendo o caráter "eleitoreiro da obra do São Francisco", nada devem ao documento do outro, como transgressão confessa à legislação eleitoral. Já por aí o cartão apenas amarelo seria inadequado.
Mas é o próprio desembargador, na coragem com que abriu uma exceção no seu meio, que define com rigor o que se passa: "os dois governos (federal e do DF) insistem em conspurcar a normalidade do processo eleitoral". Não há como conciliar a legislação eleitoral com uma simples advertência a quem conspurca, perverte, e o faz deliberadamente, a normalidade eleitoral.
Nenhuma das eleições anteriores autoriza apreço pela Justiça Eleitoral. A de 89 deixou um rastro de transgressões impunes só comparável às chamadas "eleições de bico de pena", que deram o pretexto para a Revolução de 30. Como lembrou o desembargador Jerônimo de Souza, estão se multiplicando as transgressões caracterizadas como abuso do poder de autoridade, além de outras. E cada uma delas é uma interrogação sobre a respeitabilidade da Justiça Eleitoral: terá chegado o momento de reconhecê-la, ou ainda não?

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