São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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Bloom faz "elegia" à cultura ocidental

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 25/08/94

A editora que vai publicar o novo livro do crítico Harold Bloom não é a Imago, como saiu publicado. Quem comprou os direitos autorais foi a editora Objetiva. A informação incorreta foi fornecida pela editora do livro nos EUA, a Harcourt Brace.
O crítico norte-americano Harold Bloom, 64, está angustiado. Acha que a influência da tradição ocidental na cultura contemporânea está sendo desprezada pelo que chama de "submulticulturalistas". Contra isso, escreveu "The Western Canon" –um livro arrasa-quarteirão que a editora Harcourt Brace lança nos EUA na próxima semana e que já está provocando polêmicas furiosas.
O autor de "A Angústia da Influência" (editado no Brasil pela Imago), em entrevista exclusiva, disse que a idéia desse novo livro não é "fazer a cabeça" de ninguém. "Apenas quis fazer uma elegia, minha elegia, à cultura ocidental", declarou à Folha, onde mensalmente assina um artigo no caderno "Mais!".
O ponto mais polêmico do livro é a lista, elaborada por Bloom, de 850 autores que julga formarem o "cânone" da cultura ocidental –ou seja, a quintessência da tradição literária iniciada, segundo Bloom, em "Gilgamesh", o poema sumério do século 16 a.C..
Na lista, Bloom dá grande espaço a autores americanos do século 20, e mesmo a jovens contemporâneos como Tony Kushner, Cormac McCarthy e outros. É capaz de incluir livros de autores semi-obscuros como Gloria Naylor e Thylias Moss e deixar de fora outros mais complexos como Thomas Wolfe e Muriel Spark (leia ao lado lista de algumas omissões).
Bloom também excluiu benquistos dos politicamente corretos como o anglo-japonês Kazuo Ishiguro, autor de "Vestígios do Dia", e a poeta americana Sylvia Plath. "Meu livro é uma defesa dos escritores que essa gente chama de 'europeus machos, mortos e brancos' ", disse.
As polêmicas que Bloom está levantando são tantas que o lançamento do livro, planejado para 11 de outubro, foi antecipado por razões comerciais. Na entrevista a seguir, no entanto, ele admite que sua lista não é infalível.

Folha - A pré-publicação da sua lista em algumas revistas tem criado grande controvérsia. Era o que o sr. esperava?
Harold Bloom - Era, sem dúvida. Escrevi meu livro contra essa idéia de que o cânone morreu, de que Shakespeare não interessa mais porque é um europeu macho, branco e morto. Esse barbarismo tomou conta da imprensa cultural.
Folha - A intenção do livro então é estimular as pessoas a ler esses autores e demonstrar a importância do cânone?
Bloom - É muito mais modesta. Apenas quis fazer uma elegia, minha elegia, à cultura ocidental, que esses submarxistas, subfeministas, submulticulturalistas e subcríticos de toda espécie acham que não é necessária à educação. Essas pessoas não sabem mais ler, desconfio que nem gostem de ler. Ler livros complexos dá trabalho, e essa gente é contra esforço. Está dominada pela TV, pelo pop.
Folha - Mas a quem se dirige "The Western Canon"?
Bloom - Veja, não sou monomaníaco. Acredito realmente que haja uma minoria que lê, que quer ler Proust, Shakespeare, Fernando Pessoa. Tenho pensado em Pessoa. Ele deu sorte em morrer em 1935 –antes da derrocada, que o teria deixado muito triste.
Folha - De literatura de língua portuguesa, além de Pessoa, quem o sr. incluiu na lista?
Bloom - Jorge de Sena, José Saramago, José Cardoso Pires, muitos outros. O único brasileiro é Carlos Drummond de Andrade.
Folha - Por quê? E Machado de Assis, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha?
Bloom - Eu gostaria de conhecer melhor a literatura moderna brasileira. Estou estudando português –leio português, acompanhado de dicionário. Machado de Assis certamente teria lugar na lista, mas não julgo que as traduções de seus livros para o inglês sejam adequadas. Por isso não incluí. Mas coloquei vários autores latino-americanos, como Ruben Darío, Borges, Carpentier, Cabrera Infante, Cortázar, García Márquez, Vargas Llosa. Você é obrigado a se limitar ao que conhece.
Folha - Mas isso não cria sérios danos a uma lista que se pretende um cânone da literatura ocidental? Como colocar Tony Kushner e deixar Muriel Spark de fora.
Bloom - Sem dúvida, mas lembre-se: minha lista não é "o" cânone, é o meu cânone. Não quis estabelecer um cânone definitivo. Há muitos escritores excelentes, como Spark, que não estão na lista, mas há muitos que estão. Creio que todos os livros da minha lista vale a pena ler e reler.

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