São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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O barato de Itamar

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Os jornais informam que o presidente Itamar Franco está vivendo em estado de graça, com alto índice de aceitação popular, uma corte de amigos que o aconselham a voltar ao poder e a certeza de que emplacará seu candidato nas próximas eleições.
Tudo bem: é uma dose cavalar de estupefaciente que ele tomou através do Plano Real. Não vem ao caso discutir o lado técnico do plano: inflação e arrumação de casa não são tarefas impossíveis. Devem haver, seguramente, umas cinco maneiras de se colocar uma economia em dia.
A questão é que Itamar passou 90% do tempo de seu mandato reclamando que não era obedecido, que seus apelos (saudáveis, bem-intencionados) não eram atendidos pelos próprios auxiliares, nem pelos empresários, pelos especuladores, pela fauna que forma o tipo de "sistema" que nos foi imposto.
A partir de uma data inadiável para acabar a farra, essa mesma fauna aceita passar dois meses e meio em relativo recesso, deixando a maioria do povo acreditar que está vivendo realmente num país de inflação domada ou em vias de ser domada.
Os 10 milhões de privilegiados que lucraram com a especulação, com a ciranda financeira, que alimentaram e desfrutaram a inflação, conseguiram afinal o pacto com o governo que cada vez mais os representa.
O candidato Leonel Brizola suspeita que o candidato FHC ainda não acordou para o sistema de forças que o está apoiando: é um problema eleitoral. Itamar não suspeita de que a sua euforia, sua taxa de aceitação é artificial, produzida como um desfile de escola de samba.
De uma hora para outra, ele se viu obedecido. Ainda não conseguiu baixar os juros mas recebeu explicação para isso. E como o povão parece satisfeito com a estabilidade cenográfica de curtíssima duração, tudo parece ir no melhor dos mundos para ele, tanto que está pensando na volta ao poder.
Seus áulicos já o comparam a Theodore Roosevelt. Os meninos miseráveis das grandes cidades cheiram cola de sapateiro para terem a ilusão de que também estão nesse melhor dos mundos. Itamar cheira o Plano Real e curte o maior barato.

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