São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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A mão do governo

JANIO DE FREITAS

O ministro Alexis Stepanenko resolveu desafiar o Tribunal Superior Eleitoral. Já convocado pela Justiça a explicar os bilhetes em que comprometeu decisões e verbas do governo com campanha eleitoral, ao assinar a liberação de recursos para a eletrificação do município de Sinop, no Mato Grosso, ergueu o braço e simbolizou, para a população beneficiada, a mão espalmada que Fernando Henrique Cardoso adotou como marca de sua candidatura.
Ainda mais do que pelo gesto, o desafio ficou caracterizado por ser justamente a concessão da verba o motivo da interpelação do TSE ao ministro, que em um bilhete administrativo dizia ser a providência do interesse dele, do presidente Itamar e de Fernando Henrique. O candidato estivera em campanha no município e prometera a eletrificação.
A atitude de Stepanenko em Sinop se deu 48 horas depois de publicada a nota em que o presidente Itamar diz que não permitirá o envolvimento em campanha, nem mesmo por palavras, de integrantes do governo. Nisso mesmo está, porém, o aspecto útil dos seus gestos.
O presidente Itamar tem insistido, em resposta às notícias de comprometimento eleitoral do governo, que isso não existe –não se esperaria, aliás, que admitisse a colaboração ilegal. O ministro Ricupero lembra, como se ignorasse diferenças muito bem conhecidas por ele, que nos Estados Unidos até os presidentes fazem campanha por seus candidatos, e nada demais há nisto. Fernnado Henrique alega que o governo não pode deixar de fazer suas inaugurações só porque é época eleitoral.
Concedamos que, ao assinar o bilhete comprometedor, Stepanenko não estivesse orientado pelo presidente sobre a isenção a adotar. Sua atitude em Sinop mostrou, porém, que a orientação divulgada pelo presidente não corresponde à orientação interna do governo. Ou, do contrário, estaríamos diante de uma insubordinação a que o presidente se curva.
Não é necessária muita tolerância para admitir que integrantes do governo, entre eles o presidente, tornem pública a sua preferência eleitoral e, como cidadãos, mostrem-se em atos de campanha. O rigor ético não o aprovaria, mas em política não há rigor e a ética é muito imprecisa ou, pelo menos, uma idéia muito particular. Ainda assim, o limite é claro. Como sabe o ministro Ricupero, os exemplos estrangeiros de participação não incluem, jamais, a exploração das funções administrativas.
E aí está o problema atual. Há uma dezena de fatos com evidências irretorquíveis da sua finalidade eleitoral, atos até do próprio presidente Itamar. Como a decretação, duas semanas depois da promessa de Fernando Henrique em Sinop, de calamidade pública no município, para facilitar a liberação da verba prometida. O que foi feito com tanta ligeireza que exigiu até uma medida provisória: a MP 584, concedendo recursos equivalentes a US$ 15 milhões.
Se, como cidadãos, é tolerável que integrantes do governo aliem-se a candidatos, o governo não pode fazê-lo nem por um só dos seus integrantes. Os recursos do governo são provenientes da coletividade. E nela há adeptos de todas as candidaturas. Fugir a este limite é ilegal e imoral. É uma forma de corrupção. Não menos grave, e talvez mais, do que as formas vulgares de corrupção.

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