São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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Cansa, mas compensa

JOSÉ SERRA

No fim-de-semana, de posse dos respectivos videocassetes, assisti na íntegra a três programas do horário eleitoral gratuito na TV. Ouvi também três programas do horário gratuito nas emissoras de rádio. Minha reação, ao final, foi a previsível: o conjunto de qualquer um dos programas é insuportável, em virtude da repetição de temas, do atropelo de palavras ou de idéias e do desempenho cretino de alguns candidatos, que contaminam infelizmente a visão dos demais.
O problema não se localiza na existência do horário gratuito em si (aliás, nem tão gratuito, pois as emissoras podem abater de seu Imposto de Renda os custos). Os fatores de desgaste são outros; o excesso de tempo, o excesso de microcandidatos e microlegendas, sem representatividade social nem viabilidade política, e o tempo reservado aos candidatos a deputado.
Para estes, trata-se de uma regalia inútil em face do reduzidíssimo tempo disponível por candidato, já que existem mais de mil concorrentes a deputado em São Paulo, por exemplo. É necessário reconhecer o problema, deixar de lado os preconceitos e debater seriamente o voto distrital misto e os programas gratuitos regionalizados.
Eliminando as microlegendas, excluindo os candidatos a deputado dos programas estaduais e estabelecendo um teto de tempo (nenhum candidato teria mais de quatro minutos, por exemplo), o horário gratuito poderia resumir-se a meia hora, quatro vezes por semana. Isto aumentaria, sem dúvida, a audiência e a eficácia dos programas, favorecendo o exercício mais consciente do direito de voto.
No meio de tanta chatice, há uma aberração que tem passado despercebida: o tempo dos candidatos ao Senado não foi distribuído de forma proporcional ao tamanho dos partidos ou das coligações, ao contrário do que acontece com os candidatos a presidente, governador e deputado. A distribuição foi feita de forma igualitária, de modo que, em São Paulo, onde existe um número elevado de candidatos a senador, o tempo de cada um, descontada a vinheta de abertura, é de 41 ou 42 segundos. Só por curiosidade, experimente o leitor explicar nesse tempo, com início, meio e fim, alguma idéia não trivial nem maluca.
O jeito é continuar gastando a voz e a sola do sapato nas ruas e nos palanques, onde, aliás, na última semana, três coisas ficaram mais do que claras. No atacado, a população mais pobre, que representa dois terços dos eleitores, gosta mesmo do real. Alimenta, porém, outras preocupações sérias. Por exemplo: como garantir que o real não naufrague? Quando começarão a ser resolvidos outros problemas dramáticos, como o desemprego?
Em segundo lugar e por mais absurdo que pareça, a principal e mais cansativa falha do real, ao menos para os pequenos comerciantes, é a falta de troco, a escassez de moedinhas, que, infelizmente, ainda se prolongará por um mês, no mínimo.
Por último, as recentes baixarias eleitorais contra o senador Mário Covas, candidato ao governo de São Paulo, não tiveram o efeito que seus autores esperavam. Não encontrei uma só pessoa que fizesse qualquer pergunta ou comentário. E, ao contrário do que muitos imaginam, quando uma questão que sensibiliza a população é levantada na campanha eleitoral, a manifestação de dúvida é imediata entre os eleitores.
Enfim, a democracia cansa, mas compensa.

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