São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 1994
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Inflação e eleições

PAULO RENATO SOUZA

Em sua edição de ontem, esta Folha estampa matéria de primeira página, afirmando que a coordenação da campanha de Fernando Henrique estaria tentando "anular os efeitos da inflação". A manchete não corresponde ao texto da matéria, nem ao que eu penso e disse. Por isso, me apresso em escrever esta nota para esclarecimento dos leitores da Folha.
Os índices de inflação medem as variações médias de preços num determinado período de tempo. Isto significa que os preços de um período devem ser comparados com os do período imediatamente anterior. Os hábitos mensais de pagamento nas sociedades modernas fazem com que estas comparações tenham o mês como referência. Assim, qualquer taxa mensal de inflação, ao comparar a evolução da inflação de um mês ao outro, mede, na verdade, a evolução dos preços ao longo dos últimos 60 dias.
O que ocorreu em matéria de preços no Brasil nos últimos 60 dias? Tivemos a introdução da nova moeda, o real, em 1º de julho. Nos últimos dias antes da mudança da moeda, houve uma aceleração nas remarcações de preços, amplamente registrada pela imprensa, motivada pela incerteza em relação ao plano, em face das histórias de confiscos e congelamentos que marcaram as tentativas anteriores de estabilização.
Dado que as expectativas negativas não se concretizaram, não só os preços se estabilizaram como muitos realmente caíram, como os da cesta básica, que se reduziram de R$ 106,95 para R$ 97,73, entre 1º de julho e 26 de agosto.
Por outro lado, o atraso na definição das regras de conversão para URV de alguns itens, como aluguéis e mensalidades escolares, provocou alguns aumentos no momento da conversão, no final de junho e começo de julho. A partir daí, contudo, esses preços também têm se mantido estáveis.
Estas variações de preços têm sido captadas com extrema fidelidade por todos os índices que medem a inflação, sejam eles produzidos por instituições governamentais ou independentes. Apesar de os preços estarem praticamente parados desde o começo de julho, os índices de inflação ainda registram valores positivos, refletindo justamente os aumentos ocorridos no final de junho.
Assim, por exemplo, o Índice de Preços competitivos Fipe-Estadão, que registrava valores acima de 10% em fins de julho, registrou 4,37% no dia 15 de agosto e registrou uma deflação, ou seja, inflação negativa no índice mensal da última sexta-feira, 26 de agosto.
O índice geral da Fipe –que registra todos os preços e não apenas os competitivos– assinalou uma inflação mensal de 7% no dia 30 de julho, de 5,7% no dia 8 de agosto, de 4,5% no dia 15 de agosto e de 2,8% no dia 22 de agosto. A projeção deste índice para 31 de agosto é inferior a 2%.
O IPC-r é o índice que o governo criou para corrigir os salários após o real. Ao contrário dos demais, é publicado somente uma vez por mês, refletindo a variação mensal no dia 15 de cada mês.
Para agosto, a imprensa tem adiantado que o índice a ser divulgado será superior a 5%. Este valor, se for confirmado, será totalmente compatível com os demais que foram mencionados acima, em relação à inflação mensal do dia 15 de agosto. A Fipe registrou 4,5% naquela data e o índice Fipe-Estadão 4,37%.
O mais importante também não está sendo dito: estes mesmos índices já vêm registrando, hoje, valores muito menores, com acentuada tendência à queda. Isto é lógico e esperado: à medida em que nos aproximamos do final de agosto, tende a ser menor o efeito dos aumentos ocorridos no final de junho nos índices de inflação.
Cumpridos aqueles 60 dias acima mencionados, desaparece o efeito dos aumentos de preços ocorridos no período. Por esta razão, todos os índices de preços, inclusive o IPC-r, tenderão a cair nos próximos meses. Esta é a razão pela qual é muito arriscado para qualquer candidato tentar obter vantagem eleitoral da divulgação do índice de inflação do governo em agosto.
Pode até render alguma manchete de jornal neste momento, que se voltará contra ele, contudo, em setembro, na medida em que os próximos índices forem realmente baixos, como serão.
A transparência deste plano reside justamente na fixação de um critério claro para repor as possíveis perdas salariais, segundo o IPC-r. Assim, aqueles aumentos abusivos ocorridos na passagem para a nova moeda serão totalmente repostos na data-base de cada categoria, garantindo a reposição do poder de compra dos trabalhadores.
Os índices de inflação sempre estiveram no centro dos debates em todas as tentativas anteriores de estabilização no Brasil. Isto se deve não só às altas taxas de inflação prevalecentes aos planos, como também à cultura inflacionária baseada na indexação generalizada.
É isto o que torna a discussão dos índices tão difícil para os leigos. Por sorte o povo, que sempre é sábio, está mais preocupado com os preços do que com os índices.

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