São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A hora e a vez do mercado de ações

ROBERT JONH VAN DIJK

Virtualmente superada a crise que se abateu sobre a economia brasileira durante os anos da chamada "década perdida", o Brasil vivenciou um período de grandes mudanças e ajustes de sua economia a partir de 1990, que deverão preparar o país para uma fase de crescimento e prosperidade.
Ao longo dessa fase de mudanças, o país buscou de forma persistente a estabilização de sua moeda, coroada agora com os primeiros resultados positivos da reforma monetária que introduziu o real como a nova moeda brasileira.
Outro evento marcante desse período, foi o processo de liberalização da economia brasileira, contemplando desde o programa de privatizações até a abertura comercial do país, passando por uma expressiva desregulamentação dos mecanismos de ingresso de capitais do exterior.
Hoje o Brasil se encontra no limiar de um novo ciclo. Nessa fase que se avizinha, o investimento privado dará o tom do processo de desenvolvimento econômico, num ambiente de estabilidade e de competitividade, integrado à economia mundial.
O Estado necessariamente será menor, porém economicamente mais forte, com condições restauradas para centrar sua atuação nas atividades que lhe são próprias, e assim proporcionar serviços de qualidade e de forma eficiente à sociedade.
A reforma constitucional, a ser implementada em 1995 pelo novo governo, deverá dar a partida nesse ciclo de desenvolvimento. Por meio dela espera-se solucionar os grandes desquilíbrios estruturais da economia brasileira, levando a cabo as reformas tributária, administrativa, patrimonial e da previdência social.
Em meio a tais reformas, deverão ser eliminados os monopólios constitucionais da União e as restrições ainda existentes sobre os valores de atuação do capital estrangeiro.
Neste ambiente de transformações, está reservado um papel de grande importância ao mercado de capitais. Em particular, deverá caber ao mercado funções estratégicas num cenário em que o desenvolvimento econômico certamente irá contemplar uma melhoria substancial dos indicadores de distribuição da renda e da riqueza nacionais.
A esse respeito, vale a pena destacar as principais formas de apoio que o mercado de capitais pode prestar para que tenha êxito um programa de democratização do capital das empresas brasileiras.
Em primeiro lugar, o mercado pode oferecer sustentação a uma política de abertura do capital das empresas. Surpreendentemente, o Brasil tem hoje menos de 1.000 empresas de capital aberto, quando o porte de sua economia e de muitas de suas empresas poderia muito bem justificar um número acima de 5.000.
Uma explicação para o fenômeno reside não apenas na resistência de muitos empresários em dividir seu negócio com novos sócios, mas também nos elevados custos associados à abertura de capital, tais como despesas de "underwriting" e de manutenção de departamentos de acionistas, além das exigências de "disclosure".
Não podemos esquecer, também, que numa conjuntura onde não se vislumbram horizontes atrativos para o investimento privado –como tem sido o caso brasileiros desde a década passada– a condição de empresa aberta é uma opção que pode tornar-se excessivamente onerosa para as empresas.
Uma solução para este problema pode ser a criação de um mercado de acesso, com a introdução de "market-makers" competitivos, os quais emprestam liquidez às negociações e proporcionam um balizamento à formação dos preços das ações. O mercado de acesso é um caminho intermediário e mais barato para a abertura de capital, dadas as menores exigências de "disclosure" a que está sujeito.
A Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, já tem hoje condições de implantar um mercado de acesso para ações de empresas de médio porte e com isto prestar uma contribuição importante a um programa de abertura de capital no país.
Uma segunda forma de contribuição do mercado de capitais situa-se no apoio logístico que ele pode oferecer ao programa de privatização de empresas estatais. A importância desse apoio já ficou evidenciada nas privatizações realizadas até agora, quando os mecanismos do mercado proporcionaram transparência à formação dos preços dos blocos de controle privatizados, bem como conferiram liquidez às ações transferidas para o setor privado.
A médio prazo é de se prever a inclusão das grandes empresas estatais no programa de privatização, quando então o mercado poderá atuar como um pólo irradiador da pulverização dessas ações sobre um amplo contingente da população.
Um processo efetivo de democratização do capital irá requerer a formação de programas de participação de empregados no capital das empresas, algo na linha da experiência européia e norte-americana. Por meio desses programas, os empregados tornam-se sócios minoritários das empresas em que trabalham, preocupando-se com a eficiência, produtividade e com os lucros das empresas.
É o chamado capitalismo popular, como ficaram conhecidos os programas altamente bem sucedidos implantados na Inglaterra e no Chile nos anos 80. Também neste caso, o mercado de capitais desempenha uma função estratégica, propiciando liquidez às participações acionárias dos empregados-acionistas, viabilizando novas colocações de ações.
É chegada a hora da virada da economia brasileira. E essa também é a hora do desenvolvimento do nosso mercado de capitais. Não é por acaso, aliás, que o crescimento dos negócios nas bolsas tem sido notável desde 1991, quando o processo de transformações econômicas do país instalou-se de forma irreversível.
Neste contexto, cabe às lideranças do mercado –Bolsas e intermediários em geral–, aos órgãos reguladores e também aos membros do Congresso Nacional, prover diretrizes adequadas para as grandes questões que serão colocadas para o mercado nesse novo ciclo de desenvolvimento.
No que diz respeito às Bolsas, não há como descuidar da maior competitividade internacional, decorrente dos novos avanços no processo de abertura do mercado. Eficiência na prestação de serviços aos participantes do mercado, aprimoramentos na tecnologia dos seus sistemas de negociação e de liquidação e fortalecimento de suas prerrogativas de auto-regulação são objetivos que deverão estar na ordem do dia das Bolsas daqui para a frente.

Texto Anterior: Último a saber; Sem consulta; No papel; Mapa da mina; Nada a fazer; Origem do problema; Algo mais; Ação ampliada; Não funcionou; Interpretação corrente
Próximo Texto: Custo médio da cesta básica tem queda de 0,29% em SP
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.