São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Judeus festejam mais um Rosh Hashaná

HAMILTON MELLÃO JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estamos na véspera do ano de 5.755 e, ao contrário do que se predisse, ainda não conseguimos contato com outra inteligência extraterrestre e nem mesmo resolver os mesquinhos conflitos no nosso pequeno planeta.
Não se exaspere, leitor, não estamos escrevendo nenhum texto de ficção científico-gastronômica, e sim comemorando mais um Rosh Hashaná –o ano novo judaico– que acontece na noite do dia 5 de setembro. Em todas as partes do mundo, as comunidades celebram a entrada do primeiro mês do calendário israelita, festa que abre um período de dez dias de balanço onde cada pessoa pondera sobre as atitudes do último ano, literalmente acertando suas falhas com o Criador, culminando com o Yom Kippur –o dia do perdão.
Entre o jantar do ano novo, no qual todos os alimentos simbolizam uma dádiva, refletindo uma esperança, até o jejum ritualmente cumprido no dia do perdão, seja em São Paulo, Londres, Roma, Nova York ou Tel Aviv, predomina em cada homem, mulher ou criança a certeza da misericórdia divina, cujo prêmio é a inscrição de seu nome no Livro da Vida.
O israelita, pode ser definido como povo que guarda, ou como disse o escritor Elie Wiesel: "A grande característica é o desejo de lembrar. Não existe outro povo com tanta obsessão pela memória".
Isso pode ser aplicado especialmente na comida. Ben Gurion, um dos heróis de Israel, costumava troçar dos americanos quando eles se gabavam pelos antepassados que chegaram no "Mayflower", há cerca de 300 anos.
Dizia ele: "Qual outro grupo pode dizer a data exata da partida para uma longa viagem –no caso do Egito até Canaã– e ainda por cima descrever minuciosamente o cardápio, repetido até hoje, 3.000 anos depois?"
Em 75 d.C., com a diáspora, –ou dispersão– os judeus se espalharam pelos quatro cantos do mundo, os asquenazi na Europa Central e Oriental e os sefaradis na Península Ibérica e Norte da África, só tendo oportunidade de se reagrupar em 1948 com a fundação do Estado de Israel.
Quando os hebreus chegavam a estas terras, a partir dos hábitos alimentares locais, reinterpretavam e adaptavam a culinária existente para os seus padrões religiosos, de acordo com os preceitos dietéticos e alimentares ditados por Moisés.
O curioso é que ao fazer estas adaptações, por ser o povo que guarda, o novo receituário permanecia imutável, sendo transmitido através das gerações, enquanto a cozinha do país onde se estabeleciam deteriorava ou evoluia ao sabor do tempo. Assim é possível, no século 20, para qualquer pessoa, saborear um gefilte fish –uma deliciosa massa de peixe com raiz forte– em São Paulo, Berlim ou Praga, com o mesmo sabor, muito antes da implantação das redes de fast-food internacionais.
Isso se reflete principalmente nas festas. Não importa que na Polônia se consuma galinha ensopada no Rosh Hashaná ao passo que na Argélia a tradição dita uma sopa de sete legumes. O traço de união mais forte é emimente na preparação da mesa, o "seder" ou "ordem", respeitando a simbologia que cada prato carrega.
No ano novo, apesar da multiplicidade geográfica, a predominância dos pratos doces, à base de mel e açúcar, é comum em todas as mesas. Na ocasião, tudo o que é amargo é mantido longe: sal, vinagre e limão. O que se espera é um ano doce e farto. A maçã está sempre presente, segundo a tradição, pois as três qualidades da fruta –o gosto, a aparência e o odor– representam os maiores dons na vida do ser humano: filhos respeitosos, uma vida longa e a comida necessária. Cortada em pedaços, ela é mergulhada no mel e servida pelo chefe da família, que na ocasião pronuncia uma bênção.
O pão –"chalá"– assado em fôrma de espiral tem esse desenho para mostrar que o ciclo da vida não tem começo nem fim. O vinho que acompanha a refeição também é doce e além disso, a cor branca, na mesa e nas vestes, dá o tom augurando paz e pureza.
Para os goym, ou seja, os não judeus, que desejam conhecer essa especialíssima cozinha, um bom local é o Z Deli, de dona Zenaide.
Se você quiser aprender mais sobre essas interessantíssimas tradições, a Casa de Cultura de Israel promove regularmente cursos sobre a história, religião a culinária.
Para todos os leitores, "Shaná Tová U Me Tuká", ou seja, um ano bom e doce.
Uma receita
Dona Martha Kardos nasceu na Áustria em 1906 e, como ela mesmo diz, não é idosa, mas rica em anos. Longe das badalações inerentes ao mundo gastronômico, com uma cultura invejável, mantém há 15 anos uma escola de culinária que formou muitos dos festejados gourmets paulistas.
Com seu sorriso doce, ela faz com que as mais intrincadas sobremesas fiquem mais doces ainda. É dela esta receita de apfel tarte (torta de maçã).
A massa leva uma parte da açúcar, duas partes de manteiga e três partes de farinha. Amasse bem todos os ingredientes e deixe a massa descansar por pelo menos uma hora na geladeira.
Para o recheio, compre maçãs ácidas, descasque-as e corte-as em pequenos pedaços. Ferva então com pouca água e quando estiver desmanchando coloque algumas uvas passas e adicione mel.
Mexa delicadamente e reserve.
Para confeccionar a torta, abra a massa com um rolo e coloque numa assadeira baixa e redonda. Coloque então o recheio frio e sobre ele, tiras de massa à maneira de grade. Asse por 20 minutos.

Z DELI: alam. Lorena, 1.214, tel. 280-5644
CASA DA CULTURA DE ISRAEL: R. Novo Horizonte, 208, tel. 255-1760

Texto Anterior: Quatro garotas se lançam no Sushi Mar
Próximo Texto: Produto local mostra seu valor com safra 91
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.