São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
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0"True Lies" acha verdade através da mentira

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

'True Lies' acha verdade através da mentira
Filme da dupla Cameron/Schwarzenegger faz cinema de grande espetáculo, usando efeitos especiais com inteligência
Filme: True Lies
Produção: EUA, 1994, 140 min.
Direção: James Cameron
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Jamie Lee Curtis, Tom Arnold, Bill Paxton, Tia Carrere, Art Malik
Onde: a partir de hoje nos cines Ipiranga 1, Astor, Center Iguatemi 1 e 3, Ibirapuera 2 e circuito
O filme de grande maquinário hoje pode ser considerado um gênero do cinema americano. É essa espécie de filme em que o espetáculo se apresenta em estado puro, tendo como fundamento a pura impossibilidade "disso" acontecer na realidade.
Em "True Lies", o momento da grande ilusão acontece quando o terrorista Aziz, fugindo do espião Harry Tasker (Arnold Schwarzenegger), atira-se do alto de um prédio com sua moto. E cai, são e salvo, numa piscina.
A ação continua: Harry tenta seguir Aziz, mas o cavalo em que está montado (sim, ele está montado em um cavalo) refuga. Efeito de real introduzido em plena fantasia de maquinário: cavalos refugam, o que leva Harry a ser projetado para frente e quase cair do prédio.
O mesmo tipo de efeito se viu há pouco em "O Fugitivo", ou em "Velocidade Máxima". Mas "True Lies" tem uma enorme vantagem, ao menos em relação a este último: tira proveito do maquinário, mas faz questão de tomar distância em relação a ele.
Isso é que torna verdadeiras as mentiras do filme. Mentiras que já começam na história, onde Harry é espião para uma ultra-secreta agência dos EUA. Tão secreta que durante anos a fio sua mulher Helen (Curtis) pensa que ele é um dedicado vendedor. Tão dedicado que nunca aparece em casa. É o que leva Helen a iniciar um flerte com Simon (Bill Paxton), um vendedor de carros usados que se faz passar por... espião.
E aí a história de espionagem (baseada em um filme francês de Claude Zidi, de 1991) meio que desaparece, dando lugar a essa segunda ficção, em que Arnold mobiliza metade da agência para espionar Helen, detectar a extensão dos chifres e coisas assim.
É claro que em dado momento volta-se à intriga central, inclusive para o final delirante, puxado a trucagens formidáveis em que, entre outras, um avião invade um prédio.
É ao investir no desvendamento da trapaça que constitui o uso indiscriminado do maquinário de cinema (megaorçamento, efeitos especiais, trucagens) que "True Lies" consegue sacudir a poeira do cinema ilusionista e fugir da monotonia dos filmes feitos em função das trucagens (como "O Exterminador do Futuro 2", do próprio Cameron) ou da ação irrefreada.
Em vez disso, o investimento no humor ganha uma dimensão a que o cinema de aventura parecia ter abdicado. Isso acontece em parte porque, há tempos, Schwarzenegger trata de suavizar sua imagem de brutamontes (e em se aperfeiçoar como ator). Aqui, tanto ele é capaz de usar a metralhadora sem fazer cerimônia, como de dançar o tango (com Tia Carrere, bandidona sexy e vulgar).
Mas quem defende a parte de humor é mesmo a ótima Jamie Lee Curtis, comediante que acerta um sucesso e em seguida se esconde atrás de meia dúzia de abacaxis. No conjunto, "True Lies" é um filme que justifica a Hollywood dos grandes espetáculos: tira todo proveito da máquina, sem ser maquinal; e sabe como usar a inteligência para buscar verdades na mentira cinematográfica.

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