São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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Chéreau devolve tragédia à história

BERNARDO CARVALHO

O diretor francês passa ao cinema o melhor de seu maneirismo em "A Rainha Margot"

Patrice Chéreau, consagrado como diretor de teatro de vanguarda na França nos anos 60 e 70, tenta há anos emplacar seu nome no cinema. "O Homem Ferido", de 1982, por exemplo, era um poço de afetação.
O diretor tentou desesperadamente criar um estilo próprio, tornar-se um verdadeiro autor –no teatro, isso se traduziu muitas vezes em gritos e num maneirismo exacerbado dos atores. Percebeu a certo momento que não seria nunca um Bob Wilson e transferiu suas ambições para o cinema.
Ele não inventou um estilo em "A Rainha Margot", mas conseguiu passar para o cinema o melhor de seu maneirismo, construindo um século 16 hipersexualizado, no limite da histeria. Encontrou no romance homônimo de Alexandre Dumas (1802-1870) um terreno fértil para uma dramatização em que os sentimentos e pulsões (sexuais, de morte etc.) são levadas ao extremo.
O fabuloso drama familiar de "A Rainha Margot" (1845), primeiro volume da trilogia de Dumas que se completa com "A Dama de Monsoreau" e "Os Quarenta e Cinco", seria uma prato cheio para Shakespeare. Uma mãe (Catarina de Medicis) capaz de levar a manipulação dos filhos (o rei Carlos 9º, Margot e seus irmãos) a consequências drásticas em nome de seus objetivos políticos.
Dumas reinventou a história em seu romance e Chéreau reinventou o romance em seu filme, sexualizou todas as relações, radicalizou o drama (sua Margot –Isabelle Adjani– é uma ninfomaníaca desembestada e seus irmãos são pintados como lobos incestuosos sedentos de sexo).
O filme começa com o casamento arranjado de Margot com Henrique de Navarra (futuro Henrique 4º), com a intenção de fazer a paz entre católicos e protestantes. A noite de São Bartolomeu, imediatamente em seguida (23 de agosto de 1572), quando milhares de protestantes são massacrados em Paris sob as ordens de Catarina de Medicis, mostra a verdadeira dimensão do conflito.
É com o massacre que Margot se revela, tomando o partido de seu amante protestante (La Môle) e salvando o marido (que até então ela desprezava) contra e a despeito de sua família.
O filme de Chéreau é de uma estilização intensa e tem alguns grandes achados. A começar por Ofra Haza cantando "Elo Hi" e terminando pela magnífica última fala de Margot, com o vestido coberto de sangue, dentro de uma carruagem.

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