São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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Mercedes se lança em ofensiva de preços

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
ENVIADO ESPECIAL A STUTTGART

O negócio da Mercedes-Benz é vender carros de alta tecnologia –não necessariamente para milionários.
Assediada pela recessão, pelos avanços dos japoneses em carros de luxo e pelo redirecionamento da indústria automobilística mundial, a Mercedes está empenhada contra o tempo para fornecer carros mais baratos.
Em 93, ao lançar a linha C, a empresa deu a primeira tacada certa. A estrela prateada de três pontas, um dos mais antigos símbolos de classe, conforto e tecnologia, saltou para modelos mais modestos.
Por metade do preço das anteriores –cerca de US$ 26 mil– a linha C foi um "sucesso acima das expectativas" no QG da empresa, em Stuttgart, Alemanha.
A Mercedes se prepara para ir longe. "Não batemos em retirada da torre de marfim de alguns carros de classe megaluxuosos", disse certa vez Helmut Werner, presidente da Mercedes. "Atacamos nichos japoneses com produtos tecnologicamente superiores e mais voltados para o consumidor."
A empresa não revela preços dos carros, que terão o motor embaixo do compartimento de passageiros e emissão de poluentes próximo de zero.
"Temos chances nesse mercado se tivermos preço muito agressivo", indica Berndt Gottschalk, membro da direção da empresa responsável pelos veículos utilitários e ex-presidente da Mercedes do Brasil.
As mudanças nas linhas de produção dos automóveis são apenas parte de uma reviravolta total do grupo Daimler-Benz, a maior potência industrial do continente europeu, um gigante que em 93 faturou US$ 56,2 bilhões.
O sinal de alerta soou em 92, quando as áreas do grupo sofreram queda em seus negócios.
Pela primeira vez desde que as empresas do ex-filho de padeiros Gottlieb Daimler e a do ex-filho de ferroviários Karl-Benz se juntaram em 1926, o grupo alemão teve de dispensar funcionários.
Cerca de 18 mil foram afastados, montante que pode chegar aos 70 mil estimados nos próximos meses. A Daimler-Benz iniciou 94 com 362,2 mil funcionários.
A seguir, os pontos principais das mudanças do grupo, segundo Berndt Gottschalk:CRISE ALEMÃA manutenção da competitividade da indústria alemã por meio da redução de custos está na ordem do dia. Nos últimos três anos diminuímos 30% a estrutura de custos e voltamos a atingir mercados que considerávamos perdidos, como a América do Norte, onde fomos superados pelo japonês Lexus.MÉTODOS
Buscamos medidas para mudar as atitudes. Os "soft factors" são tão importantes quanto os "hard factors". Houve mudança nas lideranças, exigimos mais responsabilidade de cada um. Quem é mais rápido em mudar e perceber novas tendências alcança sucesso.
FORMA DE TRABALHO
Chegamos ao limite dos métodos convencionais de redução de custos. Buscamos o consenso global na disputa entre empregados e empregadores. Em três anos negociamos com sindicatos para alcançar maior flexibilidade. Os acordos estabeleceram mudanças no ritmo, nos horários e redução nos salários. O operário teve de trabalhar mais eficientemente pelo mesmo salário. Em 94 os salários totais na Alemanha não subiram nada. A sociedade alemã está pronta para se adaptar à transformação.
CONSELHO
Fui o primeiro presidente de uma multinacional a visitar o Vicentinho, quando ele era líder dos metalúrgicos de São Bernardo, para discutir capital/trabalho. Disse que sem a competitividade não poderia haver segurança no emprego.
INTERNACIONALIZAÇÃO
A Mercedes se preparou para tornar-se uma empresa internacional. É uma necessidade, porque o crescimento hoje não se dá mais na Europa mas na China, Índia, Vietnã e no resto do Sudeste Asiático. O mercado da Europa Oriental tem grande potencial. A internacionalização abre oportunidades.
GLOBAL SOURCING
Estamos concentrando o número de fornecedores, estreitando laços para obtermos melhor economia de escala. Cai a quantidade de fornecedores diretos mas aumenta o de subcontratados, via terceirização, que pode reduzir as fases de produção dentro da empresa. A concentração visa conseguir lotes maiores de encomendas e os fornecedores são chamados a participar integralmente.
SÉRIE A
O novo carro possui uma tecnologia que não existe, é um novo segmento que está se criando, ele será diferente. Terá dimensões parecidas com as do Golf e entrará na categoria de carros de classe média na Alemanha. A linha C, com preços de US$ 26 mil, é superior a esta faixa. Seu preço será abaixo da linha C e uma parte de seu sucesso depende de sua aceitação nos mercados emergentes.
Terá motor embaixo do chassis, valor da emissão de poluentes nunca alcançados antes. Investimos mais de US$ 1 bilhão no projeto.
BRASIL
Há sempre como melhorar a estrutura de custos no Brasil. Não estamos contentes com nossa posição no segmento dos caminhões superpesados, atrás da Scania e da Volvo. Vamos enfrentar esta situação com nova rede de fornecedores, novas formas de financiamento, oferta atraente de novos produtos e busca de parceiros em tecnologia.
MERCOSUL
Vamos concentrar a produção de caminhões no Brasil. A produção na Argentina será desativada gradualmente nos próximos dois anos. Os argentinos produzirão furgão T1-N, atualmente importados da Europa, que serão atualizados. Comerciais de médio porte e ônibus pesados ficarão com o Brasil. O Brasil produz de 40 mil a 43 mil unidades por ano. A médio prazo, dependendo do Plano Real, deve haver um sensível aumento de produção.
LULA X FHC
Somos investidores de longo prazo e não nos orientamos por situações conjunturais, políticas ou econômicas. Continuamos investindo US$ 300 milhões a cada cinco anos no país. Acho que a aceitação internacional do país e o aumento de sua credibilidade dependem da continuação do processo de abertura econômica.

O jornalista JOSÉ ROBERTO CAMPOS viajou a Stuttgart a convite da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha

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