São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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Ernesto Neto une rigor plástico e sensualidade em suas esculturas

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Esculturas de Ernesto Neto
Quando: abertura hoje, às 20h, até 30 de setembro; de segunda a sexta, das 10h às 20h, sábado, das 10h às 14h
Onde: Galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, vila Madalena, zona oeste de São Paulo)

O artista plástico carioca Ernesto Neto, 30, é uma presença imprescindível na jovem escultura brasileira. Mostrando coerência e maturidade, ele apresenta a partir de hoje suas novas produções na Galeria Camargo Vilaça.
Sua escultura responde ao desafio desta geração. Junta elementos das linhagens mais importantes da tridimensionalidade brasileira: o universo sensorial de uma Lygia Clark ao rigor da construção lógica de um Waltércio Caldas.
Cada trabalho tem uma mistura em doses certas de resolução plástica, campo lógico e um narrativo que circula em volta. Este último nunca é muleta para uma obra plasticamente mal resolvida ou um conceito insuficiente. Os três se mantêm, mas é a solução plástica que, como deve ser, garante a autonomia da obra.
Embora mantendo uma coerência que o faz retomar sempre o argumento de um de seus trabalhos mais antigos, "Barra-bola", Ernesto Neto não privilegia mais a resposta plástica baseada na tensão dos materiais. Agora, trama seu raciocínio numa teia conceitual e narrativa que envolve dados da mitologia grega, espécies de chaves inaugurais de nossa consciência ocidental.
Em "KuAntico: A Odisséia Continua. Navedante", o artista se pergunta sobre o ato de jogar a obra no mundo, dá-la a existir, lançá-la no tempo. Não à toa, o elemento central dessa escultura é uma rede de crochê, tecida circularmente a partir de um ponto vazio, sustentando uma bola de pedra. O tempo cadenciado e circular do fazer se espelha na trama espiralada da rede, que constrói um oco central, onde está a esfera-obra. Esta obra, lançada no tempo, surge como um salto quântico, o salto sem percurso. Toda obra é uma descontinuidade, uma suspensão, um navegar sem rumo pré-definido.
Em "M.E.D.I.T.", o artista se apresenta numa série de sete fotos registrando o progressivo emaranhamento de seu rosto por um fio. A experiência do tempo que se tece e da deformação, o estiramento da carne, obliterando a própria visão, levam à vivência íntima, mas universal, do artista, confrontado ao próprio eixo de sua obra.
Ernesto Neto faz fluir contrastes e opostos, sensação e percepção, rigor plástico e sensualidade, pertinência lógica e narrativa apaixonada, razão e acaso, numa expectativa constantemente suspensa.

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