São Paulo, segunda-feira, 5 de setembro de 1994
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A eleição, o real e a inflação

MIGUEL REALE JÚNIOR

Lula e o PT encarnam o clima de desilusão, de dor e de desalento com o hoje e o amanhã. Não é por menos que Lula alcançou o mais alto índice nas pesquisas quando da morte de Ayrton Senna, com o país de luto pela perda do herói que elevava nosso orgulho, ao que se somava uma alta inflação, sem perspectivas de um futuro melhor.
O rancor e a raiva que transmitem Lula e o PT no horário gratuito eleitoral bem espelha que ambos vicejam na tristeza, no choro diante de fantasmas e planos persecutórios, torcedores do quanto pior melhor, do qual seriam beneficiários eleitorais.
Ora, todos os fatos econômicos, especialmente os relevantes têm forte repercussão política, gerando naturalmente consequências eleitorais.
Da mesma forma como a implantação do Plano Real, em momento propício da economia, como um dever do governo, gera dividendos políticos para o principal responsável pelo programa de estabilização, a manutenção da inflação produziria efeitos eleitorais positivos ao opositor, que exploraria em sua propaganda o desacerto da economia, com a perda do poder aquisitivo da moeda.
É do jogo político que fatos resultem em consequências políticas, sem que nada de anormal exista em se apresentar como credencial para governar o Brasil o que de positivo se fez e se faz em favor do país e do seu povo no aspecto econômico.
Agora, diante da derrota na eleição, como indicam as pesquisas, querer ver uso da máquina e conspiração em tudo, pretendendo que haja cassação do registro do adversário vitorioso, significa pretender, bem ao estilo autoritário, ganhar no "tapetão", como se diz na gíria futebolística, a partida que se está perdendo junto ao eleitorado.
Cumpria a Rubens Ricupero, no desempenho de suas funções de ministro da Fazenda, explicar o plano, insistir em medidas a serem adotadas pela população, comparecer muitas vezes perante o público para difundir o real, propor medidas necessárias, como a importação para conter eventual alta de preços, destacar os pontos positivos para aumentar a necessária adesão da população ao plano.
Se o cumprimento do dever repercutiu consequência natural e inevitável dos fatos, da mesma forma, o descumprimento do dever de esclarecer a população e de tomar as medidas imprescindíveis para o sucesso do plano reverteria a favor de Lula, pois o fracasso do plano o elegeria.
Se a ação devida do ministro da Fazenda ajudou Fernando Henrique, agora se pretende que tivesse agido de forma indevida, omitindo-se, não elucidando a população como era de seu dever, para beneficiar o Lula. Aonde, então, a tão propalada postura ética, que, na verdade, apenas se usa para esconder o golpismo próprio dos derrotados inconformados.
Em momento algum qualquer dos ministros fez proselitismo a favor do candidato Fernando Henrique Cardoso, em momento algum usou-se de meios ou estabelecimentos da administração pública na campanha. Em momento algum a campanha se valeu da administração pública para comícios, transporte, troca de favores, promessas.
O ministro Aloísio Alves, pretendendo aliciar o candidato para a tese do desvio do rio São Francisco, acenou que a obra daria dividendos eleitorais. Fernando Henrique posicionou-se contrário ao projeto e não conquistou nem o ministro, nem os eventuais benefícios eleitorais vislumbrados pela autoridade.
Na sua entrevista, na qual fez vir à tona inimaginada vaidade, Ricupero desdenha de Fernando Henrique, sobrevalorando o seu próprio papel, o que com certeza ocorria com pleno desconhecimento do candidato, que não pode ser responsabilizado pelas opiniões de terceiros, por suas presunções ou apoios, a não ser que neste processo de vitimização do PT restaure-se a medieval responsabilidade objetiva, para colocar Fernando Henrique na fogueira de uma nova inquisição.
O certo é que jamais houve pedido ou adesão do candidato Fernando Henrique no sentido da prática de qualquer ação por parte da administração em seu favor.
Excluídas opiniões pessoais de servidores, a imensa máquina da administração federal permanece indiferente, ao contrário do que sucedeu em tantas eleições especialmente para governador, bastando lembrar a eleição de Fleury em São Paulo, na qual Quércia usou e abusou do seu poder de governador junto à administração em benefício do candidato do seu partido.
O Lula, candidato há quatro anos é um produto velho, que rapidamente passou a ter também um discurso velho. Lula é o candidato da inflação, Fernando Henrique o do Plano Real, da estabilização da moeda. Ambas podem ser vistas como obras do governo. Se assim é, teria havido durante a inflação uma utilização da máquina em benefício de Lula contra os demais candidatos, já que a inflação é a sua grande eleitora?
A crise aberta com as inconfidências de Ricupero não abalará a continuidade do Plano Real, que terá seguimento com a mantença da equipe econômica. Mas, o PT torce pela desdita, pelo descontrole do plano, veste-se de vítima em sua visão persecutória, almejando o poder, a custa do bem do país, porque acredita messianicamente que salvará a nação, para o que não se acanha de propor o golpismo de querer cassar o registro do contendor vitorioso, fugindo assim do povo que agora o rejeita.
É, todavia, um benefício que o desespero causado pela proximidade da derrota desfaça para a população qualquer enganador compromisso do PT com a democracia, mesmo porque não se vêem seus líderes defenderem o respeito às leis e à Constituição, a não ser quando pretendem distorcer as regras para acomodá-las às suas ambições de poder.

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