São Paulo, quarta-feira, 7 de setembro de 1994
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População e desenvolvimento

JOSÉ MARIA R. RAMOS

Um dos temas em pauta na Conferência do Cairo, sob a coordenação da ONU, é "População e Desenvolvimento". No Programa de Ação proposto na última reunião do Comitê Preparatório distinguem-se claramente três planos: o plano dos princípios, o das recomendações e, em último lugar, o dos recursos.
Entre os princípios, o programa afirma expressamente que os governos são soberanos em tudo o que se refere à política populacional. Na esfera das recomendações, propõe que sejam feitos "esforços para tornar o crescimento populacional mais lento". Para alcançar esse objetivo, sugere que sejam aplicados, no campo dos recursos, US$ 48,1 bilhões em planejamento familiar, nos próximos 20 anos.
É difícil imaginar, entretanto, como as recomendações e os recursos em matéria populacional se harmonizam com o princípio definido de que as "pessoas são o mais importante e valioso recurso que qualquer nação possui".
O documento preparatório vê a questão populacional como fonte de pobreza e miséria e uma ameaça ao meio ambiente.
Cabe indagar se as novas vidas nos países em desenvolvimento não são vistas com apreensão por parte dos organismos internacionais e um foco de preocupações para o mundo desenvolvido.
Os dados justificam essa observação. A ONU estima que a população mundial no ano 2000 será de 6,1 bilhões de habitantes (4,9 bilhões nos países em desenvolvimento e 1,2 bilhão nos países industrializados).
Na década de 90, o mundo em desenvolvimento passará de 4,1 para 4,9 bilhões. Nesses mesmos anos, o mundo industrializado permanecerá nos 1,2 bilhão de habitantes. Talvez por esse motivo os países em desenvolvimento representem um "problema" para o mundo desenvolvido.
Promover o controle populacional como meio de favorecer o desenvolvimento é questionável.
Gary Becker, prêmio nobel de economia em 1992, escrevia recentemente que a ONU contribuiria mais eficazmente, para reduzir a pobreza e a miséria no Terceiro Mundo, estimulando mercados mais livres e incentivando a escolaridade para todos do que financiando o controle populacional.
O relatório do Brasil para a conferência do Cairo também põe entre parênteses a clássica dicotomia entre crescimento populacional e desenvolvimento. Não há evidência empírica que comprove existir uma conexão direta entre eles, afirma o documento, endossando a conclusão da National Academy of Science.
Seria importante que a representação oficial do Brasil no Cairo, com base nesse diagnóstico, questionasse as recomendações e o destino dos recursos do Programa de Ação elaborado pelo comitê preparatório da conferência.
Afinal, se os princípios enunciados não entraram de calçadeira depois de as recomendações estarem prontas, tudo não passa de uma simples questão de coerência.

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