São Paulo, quarta-feira, 7 de setembro de 1994
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Comércio exterior

ANTONIO DELFIM NETTO

Numa palestra que fizemos na semana passada, um assistente arguto e inteligente estranhou a importância que demos ao comércio exterior em contradição (na sua opinião), com a pequena ênfase que atribuíamos à competição com os outros países. A sua idéia é a de que o "mundo é finito" e o comércio exterior é uma disputa para "conquistar espaço nesse mundo finito". Desse ponto de vista, quando um país é bem-sucedido no comércio exterior ampliando as suas exportações, ele "expulsa" outros países.
O ponto interessante é que essa colocação do comércio exterior como uma espécie de guerra santa, em que cada país tenta conquistar o seu espaço no mundo finito graças à sua competitividade, produziu uma verdadeira excitação na platéia. O grande número de questionamentos, todos eles condicionados pela firme convicção de que o comércio internacional é um jogo de soma nula (o que um país ganha, o outro perde) revela como estamos longe de um entendimento, mesmo elementar, do problema. Aliás, essa incompreensão, acompanhada de uma boa dose de preconceito, é a marca de alguns candidatos à Presidência da República.
Talvez valha à pena, portanto, procurar qualificar essa visão "guerreira" e pobre, que vê o comércio exterior como um processo de conquista pela "produtividade" como substituta das "armas".
Se observarmos o processo produtivo, verificaremos que ele é sempre um mecanismo de transformação. Um conjunto de instrumentos de produção (capital, terra, mão-de-obra, tecnologia) combinados pelo talento empresarial pode produzir milhares de produtos diferentes. Quando existe pleno emprego (esta é uma hipótese crucial) o custo de oportunidade da produção de um bem é exatamente o maior valor dos bens que deixamos de produzir com a utilização dos mesmos fatores. Se, para produzir uma tonelada de milho, temos de sacrificar a produção de 500 quilos de soja, esse é o custo de oportunidade do milho (o que deixamos de produzir de soja para produzir milho).
Se, no mercado internacional, uma tonelada de milho é trocada por mais de 500 quilos de soja, a produção nacional e o nível de bem-estar da população aumentam com a exportação do milho, sem, obviamente, reduzir a produção dos outros países que vão importá-lo e, simetricamente, beneficiar-se com um aumento do seu bem-estar. Este é, na verdade, o teorema das vantagens comparativas, descoberto por Ricardo no começo do século passado.
O ponto importante é que no mercado internacional uma tonelada de milho pode ser transformada em qualquer outro produto: uma agulha, um televisor, uma locomotiva ou um alto-forno. O mercado internacional é o mais amplo e eficiente mecanismo de transformação econômica. É por isso que, em regime de pleno emprego, a liberdade de comércio pode não ser a política ótima, mas certamente é superior a todas as outras alternativas factíveis.
As exportações são importantes exatamente porque permitem essa ampla opção de transformação produtiva representada no espectro quase infinito de bens, não porque elas conquistem territórios antes conquistados pelos exércitos imperialistas! O objetivo do comércio exterior é a importação que é paga com as exportações.

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