São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Todos manipulam o fato econômico

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

Poucos se dão conta disto, mas boa parte da aceitação do Plano Real entre o eleitorado veio de sua transparência técnica.
Praticamente todos seus passos foram anunciados com antecedência, favorecendo a compreensão racional de mais uma tentativa de estabilização da economia.
Os cinco planos que o antecederam desde 1986 foram choques mesmo, na surpresa do dia e no conteúdo.
A fase da URV ainda carregou certa desconfiança. Não de que se tratava, também, de obra de engenharia política. Ao sair candidato, o então ministro da Fazenda não fez segredo disto. Havia incerteza sobre a eficiência do plano em derrubar a inflação como num passe de mágica.
A racionalidade, entretanto, fatalmente perderia o pouco espaço que sempre teve. Num ambiente pré-eleitoral, a discussão econômica tende a se deslocar dos processos para certos símbolos facilmente manipuláveis pelos atores em confronto.
O eleitorado leigo, se não fica "boiando", segue pistas falsas na tentativa de formar opinião.
A polêmica do IPC-r é exemplar de como o ânimo político embaralha a visão do fato econômico.
O ex-ministro Ricupero retardou a divulgação do índice temendo estragos na candidatura FHC. Quando o IPC-r veio a público, o governo tentou descaracterizá-lo como legítimo.
Lula e PT rapidamente jogaram holofotes sobre o índice para reforçar a tese de que o plano veio para arrochar salários. Puxaram para si a frase do deputado Delfim Netto segundo a qual o plano, se tem âncora, fincou-a nos salários.
O candidato do neoliberal PPR bate nos juros como um xiita do PT.
Nem oito, nem oitenta, mostra uma análise desapaixonada do episódio.
O IPC-r é legítimo como qualquer outro. Simplesmente reflete a inflação não-captada pela URV na virada para o real e não-repassada de imediato aos salários. Medido em igual período, o IPC da Fipe não ficou muito atrás.
O PT irradiou o "lado ruim" do índice. Seria a prova de que a inflação não morreu e continua desgastando os salários.
Isto, no mesmo discurso inflamado contra os altos juros que estariam beneficiando bancos em detrimento de hospitais públicos.
Para medir salários, usa-se o índice alto. Para atacar juros, a inflação zero.
Se o verdadeiro termômetro da inflação é o IPC-r, os juros pagos nos negócios com títulos públicos teriam sido de apenas +0,75% em julho e -1,65% em agosto. Taxas quase nipônicas.
Também aqui, uma meia-verdade. Mas e daí? Argumentos racionais perdem, no jogo político à véspera de eleição, o pouco espaço que conseguiram ter na fase anterior.
Ainda é cedo para avaliar todos os danos que o caso Ricupero acarretará à candidatura FHC. Mas a bandeira do IPC-r, tão manuseada em agosto, estará de volta perto de 3 de outubro.
Tudo indica que será baixo. Resta uma semana para o término de sua coleta de preços.
Confirmado, um IPC-r muito baixo poderá influenciar decisivamente o resultado do pleito. O PT não terá tempo de explicar que índice isolado não é prova de estabilização da economia.
O eleitor chegará à urna mais uma vez confuso, sem saber ao certo quem e o que merecem seu voto.
A coluna CAPITAL POLÍTICO é publicada às quintas-feiras

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