São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994 |
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"Um Mundo Perfeito" questiona o herói
JOSÉ GERALDO COUTO
Clint Eastwood fez sua glória encarnando o herói americano que age à margem das instituições para restaurar a ordem. Fosse no faroeste ou no policial –gêneros clássicos que ele ajudou a renovar–, o ator-diretor era o vingador solitário e lacônico que preenchia a carência de autoridade paterna sentida por um público cada vez mais infantil e aturdido. Como num grandioso "mea culpa", os últimos filmes que Eastwood dirigiu –"Os Imperdoáveis" e "Um Mundo Perfeito"– apontam justamente para uma crise do herói, de sua autoridade restauradora, de sua integridade monolítica. Em consequência, põe a nu uma crise dos próprios gêneros com que trabalha. Em "Um Mundo Perfeito", o tema e seu desenvolvimento são de uma clareza exemplar. No Texas, em 1963, um menino sem pai, Philip Perry (T.J. Lowther), é tomado como refém por um criminoso fugitivo, Butch Haynes (Kevin Costner). Ambos partem numa fuga para o norte (rumo ao pai de Haynes, que mora no Alasca). O chefe da perseguição a eles é o veterano patrulheiro Red Garnett (Clint Eastwood). Tudo é claro até o limite do primarismo. Haynes passa a ser um novo pai para Philip –não um pai repressor, mas um pai libertador, que o induz a fazer tudo aquilo que até então lhe tinha sido proibido pela mãe religiosa. Com o novo pai, Philip vive sob o princípio do prazer: come doces, bebe refrigerantes, dirige carros, rouba, mija ao ar livre, brande armas. No pólo oposto, o pai repressor –Garnett/Eastwood– está paralisado pelas (in)conveniências do governador do Estado. Na ausência desse superego fardado, Haynes e Philip conduzem-se crescentemente segundo o primado do desejo. Num mundo perfeito, isso seria a felicidade plena. Mas o desejo tem seu lado escuro e implica também tiros, mortes, violência e medo. Não por acaso, uma imagem insistente é a do carro desgovernado. Eastwood dirige seu antiÉdipo sempre no limite entre o clichê e sua subversão, com sequências memoráveis, como a da agressão ao lavrador negro, mescladas a escorregadas para o puro melodrama. Bom filme, que só os idólatras podem julgar perfeito. Vídeo: Um Mundo Perfeito Direção: Clint Eastwood Elenco: Kevin Costner, Clint Eastwood, T. J. Lowther, Laura Dern Lançamento: Warner (tel. 011/ 820-6777) Texto Anterior: Falta alma à "Casa dos Espíritos" Índice |
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