São Paulo, sexta-feira, 9 de setembro de 1994
Texto Anterior | Índice

Progressão da Aids depende do tipo de HIV

CLÁUDIO CSILLAG
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

O mistério sobre por que algumas pessoas desenvolvem Aids logo após a infecção enquanto outras ficam vários anos sem manifestar a doença ficou mais próximo de ser solucionado.
Dois estudos independentes, a serem publicados hoje na revista americana "Science" e amanhã na britânica "Lancet", mostram que o progresso da doença depende, pelo menos em parte, do tipo do vírus.
O artigo da "Science" comparou os dois grupos de HIV conhecidos, HIV-1 e HIV-2.
Pela primeira vez, mostra de maneira conclusiva que o HIV-1 provoca infecções mais agressivas.
"É uma esperança às pessoas que são portadoras do HIV-2", disse por telefone à Folha Richard Marlink, da Universidade Harvard, em Boston, nos EUA.
Marlink comparou a sobrevivência de prostitutas do Senegal infectadas com os dois vírus.
Cinco anos após a infecção, nenhuma portadora do HIV-2 desenvolveu Aids, enquanto que sinais da doença surgiram em 33% das infectadas com o HIV-1.
O cientista ressalta, porém, que o HIV-2 também causa a doença.
"Além disso, temos indícios de que o HIV-2 ataca menos o sistema imunológico e é menos contagioso do que o HIV-1", disse.
A má notícia é que esta forma mais branda do vírus é muito menos comum que a outra.
Segundo Marlink, ela ocorre principalmente em países do oeste da África, como Senegal, Gâmbia e Costa do Marfim, e em países com que tenham intercâmbio.
No Brasil, este vírus pode nem existir. "Se ele existir aqui, é em quantidade muito pequena, e talvez não tenha importância na epidemia", diz Bernardo Galvão, da Fiocruz de Salvador e coordenador do laboratório central de referência do HIV no país.
Doadores
O segundo estudo, ao invés de acompanhar portadores, fez uma pesquisa retrospectiva.
Os autores investigaram quanto tempo levou para a doença se manifestar em oito pessoas que doaram sangue antes de 1985, quando os bancos de sangue ainda não se precaviam contra o HIV.
Eles dividiram os doadores em três grupos: os que exibiram sintomas nos primeiros 5 anos de infecção (forma mais violenta do vírus), entre 5 e 11 anos e os que continuaram sadios (veja figura).
Em seguida, rastrearam os receptores de cada grupo de doador, num total de 25 pessoas.
"O avanço à Aids e à morte foi mais veloz em receptores do sangue (...) de doadores em que a doença progrediu mais rapidamente", escreveu John Kaldor, do Centro Nacional de Epidemiologia do HIV, em Sydney, Austrália. Kaldor descontou a influência de outros fatores, como idade e tratamento com AZT.
O fato de haver três ritmos da doença (e não apenas dois, para HIV-1 e HIV-2) pode ser explicado pela existência de vários subtipos de cada grupo (não identificados no estudo).
Cientistas sabiam que diferenças entre os tipos e subtipos estavam principalmente na estrutura. Agora, também na virulência.
Vírus x portador
Mas há casos de um mesmo subtipo de vírus causar progressões diferentes da doença.
"Isso mostra que a capacidade de o portador combater a replicação inicial também faz diferença", diz Adauto Castelo, da Escola Paulista de Medicina.
Há então duas abordagens para se pesquisar formas de prevenir e combater a infecção.
Uma, é investigar as diferenças entre o sistema imunológico das pessoas.
Basicamente, há duas maneiras de combater o vírus: através de anticorpos e através do "braço celular" do sistema imune.
Numa analogia, anticorpos fazem a defesa química, enquanto que o braço celular faz um ataque físico, na força bruta (engolindo-o, por exemplo), contra o HIV.
"Parece que o segundo tipo de defesa é mais importante", diz Castelo.
A outra abordagem é tentar descobrir por que algumas formas de HIV são menos agressivas.
"Essa é justamente uma das esperanças que surgem com nossos resultados", disse Marlink.

Texto Anterior: Chile sugere maior abertura ao Mercosul
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.