São Paulo, domingo, 11 de setembro de 1994
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Hormônio feminino ataca peixes

STEVE CONNOR
DO "THE INDEPENDENT"

Mais de duas dúzias de rios britânicos testados por cientistas provaram conter hormônios femininos sintéticos em quantidades suficientes para modificar as características sexuais dos peixes machos.
Uma pesquisa de 28 rios no Reino Unido descobriu que esgotos e efluentes eram ricos em substâncias químicas que imitam o efeito dos estrógenos femininos.
Acredita-se que entre os rios afetados figurem o rio Aire, em Yorkshire, e os rios Dart e Ex, no condado de Devon.
Cientistas da Universidade Brunel, em Middlesex, e do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentos detectaram os efeitos dos estrógenos sintéticos em todo o percurso de alguns dos rios em questão.
O ictiólogo John Sumpter, da Universidade Brunel, disse que a descoberta mostra que os poluentes estrogênicos constituem um problema amplamente presente e provavelmente afetam quase todos os rios do país.
É possível que suas pesquisas sobre os detritos poluentes de esgotos expliquem por que as contagens de espermatozóides e a fertilidade geral dos homens ocidentais têm diminuído ao longo das últimas décadas (leia texto ao lado).
Sumpter envolveu-se na questão quando o Departamento de Meio Ambiente pediu que investigasse casos reportados de peixes encontrados no rio Lee, afluente do Tâmisa, que apresentavam características sexuais tanto masculinas quanto femininas.
O Departamento, que financiou a pesquisa, pediu aos cientistas não citarem os nomes dos rios afetados, para evitar preocupação pública.
Sumpter está estudando os peixes porque seus sistemas reprodutivos têm muito em comum com o sistema reprodutivo humano.
Tanto peixes quanto homens, por exemplo, possuem dois testículos –os órgãos produtores de espermatozóides–, e é provável que qualquer coisa que perturbe a produção de sêmen nos peixes exerça um impacto semelhante sobre os homens.
Os resultados da pesquisa nos rios levou o professor Sumpter a suspeitar que substâncias químicas produzidas pelo homem, presentes nos efluentes, estejam funcionando como estrógenos femininos.
Ele acredita que estas substâncias possam fazer com que os peixes machos desenvolvam testículos menores e se feminizem, produzindo a proteína da gema feminina, presente nos óvulos.
"Toda substância química que é um estrógeno nos peixes é igualmente um estrógeno nos mamíferos, e vice-versa", disse Sumpter.
"Nos últimos anos, um número cada vez maior de substâncias químicas produzidas pelo homem vem mostrando constituir-se em estrógenos fracos. Mas como nós as utilizamos em grandes quantidades, existe grande número delas presente no ambiente aquático".
Alguns cientistas que pesquisam a queda da contagem de espermatozóides em homens estão cooperando com Sumpter para testar a hipótese de que a redução na fertilidade masculina possa estar sendo motivada pela presença de substâncias químicas produzidas pelo homem no meio ambiente.
Eles estão interessados nos efluentes, porque é através deles que a maior parte das estimadas 60 mil substâncias químicas produzidas pelo homem acabam sendo descarregadas no meio ambiente.
Suspeita-se que a água potável seja um dos caminhos pelos quais as substâncias estrogênicas penetram no organismo, devido ao volume de efluentes sendo descarregado nos rios britânicos.
Sumpter vê esta hipótese da água potável com ceticismo, acreditando que se ela realmente carrega substâncias estrogênicas, suas concentrações devem ser extremamente baixas, muito inferiores a outros produtos que podem entrar em contato direto com a pele.
"É muito, muito difícil conhecer o caminho pelo qual as pessoas se expõem a estas substâncias", disse ele. "Por exemplo, pode haver um pouquinho no café que bebemos. Elas podem entrar em contato conosco através da água de torneira, ou através do detergente que usei para lavar a xícara. Ou podem ter vindo do detergente utilizado para lavar o vidro da cafeteira, antes disso".
Richard Sharpe, um dos colaboradores de Sumpter e especialista em fertilidade masculina na unidade de biologia reprodutiva do Conselho de Pesquisa Médica, em Edimburgo, descobriu até agora que cerca de 30 das substâncias encontradas nos efluentes possuem propriedades estrogênicas. É quase certo que esse número aumente, à medida que mais poluentes forem sendo testados.
Não se acredita que a pílula anticoncepcional seja responsável pelos estrógenos presentes nos esgotos, porque as mulheres secretam seus hormônios sob uma forma biologicamente inativa, que não exerce efeito sobre os peixes.
Os peixes são altamente sensíveis à poluição. Sumpter disse: "Quando se coloca peixes machos em canais de esgoto, eles produzem quantidades extraordinárias de gema de ovo. Eles se comportam como se fossem fêmeas. Em termos fisiológicos, comportam-se como se estivessem expostos a estrógenos".
Em todos os rios onde sobrevivem trutas –cerca de 15 no Reino Unido–, Sumpter constatou que os machos produzem gemas femininas.
"O mesmo fenômeno se repete por toda parte, essencialmente. Ou existe um estrógeno real ou uma substância química que imita o efeito do estrógeno presente nos detritos de esgoto".
É dificílimo identificar a substância química em questão. Um dos métodos funciona por eliminação. A sopa de efluentes pode ser decomposta e seus componentes majoritários testados para verificar suas propriedades estrogênicas. Mas isso leva tempo, e só pode dar a Sumpter uma vaga idéia da substância "culpada".
Pesquisas realizadas nos EUA demonstraram que o nonilfenol, presente em embalagens plásticas, ceras para móveis, muitos produtos de beleza, cremes para a pele, herbicidas e pesticidas, pode funcionar como um estrógeno.
Outras pesquisas confirmaram que a substância pode fazer trutas machos produzirem a proteína da gema feminina.
Infelizmente, isso ainda não representa uma prova de que é a presença desta substância nos detritos de esgoto que causa o surgimento de peixes hermafroditas –e está muito longe de provar que a mesma substância possa ser responsável pela redução nas contagens de espermatozóides no homem.
A Vigilância de Água Potável, órgão do governo britânico que fiscaliza a qualidade da água, diz que Sumpter não tem evidências da presença da substância na água potável.
Mas Sumpter avisou: "O que temos é um problema potencial, possivelmente muito grave. Se realmente existem efeitos estrogênicos sobre a fertilidade masculina, trata-se de um problema de primeira ordem".
Tradução de Clara Allain

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