São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O furo intencional

JANIO DE FREITAS

O repasse de reposições salariais para os preços teria, sem dúvida, o efeito inconveniente de refletir-se no índice de inflação, elevando-o progressivamente. E é tão desnecessário quanto se sabe que os preços, entre o início da URV e a chegada do real, acumularam folgas imensas. O governo, porém, pretende impedir o inconveniente com uma tática exaurida e, mesmo que não o estivesse, condenada ao fracasso pela impossibilidade de ter a última palavra.
É a tática da violência verbal, para expressar ameaças que não coincidem com os propósitos políticos do governo, nem teriam amparo na realidade. Assim como Fernando Henrique Cardoso ameaçou "bombardear" e depois "prender" os aumentadores de preços, mas viu os aumentos elevarem a inflação de 26% para 43%, o ministro Ciro Gomes diz que os repasses de reajustes "estão proibidos". E, aos que o fizerem, "não vamos bater só para matar, não. Vamos matar e esquartejar".
Acontece que nada proíbe o repasse. Porque nada proíbe que os preços sejam aumentados, seja a que pretexto for. E isso foi intencional. As famosas datas-bases de setembro, envolvendo um milhão de assalariados, estão fixadas há anos e foram objeto de inúmeras referências durante a elaboração do Plano Real, como um problema que precisava ter a sua solução prevista. O plano não o fez porque a inevitável reação negativa do empresariado não convinha à candidatura de Fernando Henrique. Os pais e o filho do plano preferiram deixar nele este furo.
Pelo mesmo motivo, a equipe econômica não se disporia a criar, agora, uma medida legal impedindo repasses. Restam, assim, as ameaças verbais que resultam só em providências enviesadas, como a redução de tarifas de importação que o governo está brandindo. Em primeiro lugar, a redução adotada já entraria em vigor a 1º de janeiro, por força do acordo que obriga os países do Mercosul a tarifas idênticas a partir daquela data. A redução não foi mais do que a antecipação de algo já esperado pelas administrações empresariais.
Digamos, no entanto, que o governo se dispusesse a baixar ainda mais os impostos de importação, em represália ao repasse dos reajustes salariais para os preços. Baixá-los a ponto de realmente ferir empresas repassadoras. Estas empresas teriam, no entanto, uma arma que já adotaram no passado e à qual o governo não tem como fazer represália: as demissões em massa. Criariam um problema gravíssimo para o governo.
Não se dispondo, por motivos eleitorais, a fechar o furo deliberadamente deixado no Plano Real, o que o governo pode fazer para evitar o repasse inconveniente é chamar o empresariado a prestar, afinal de contas, sua primeira colaboração ao combate à inflação. Quem não quer usar sua autoridade só pode contar com a boa disposição alheia. A valentia verbal já se sabe que não amedronta o empresariado, nem ilude mais a opinião pública.

Texto Anterior: Filha larga universidade
Próximo Texto: Falta de verba ameaça os salários deste mês
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.