São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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Contenção da demanda ou aumento da produção

CARLOS ANTONIO LUQUE

A experiência dos diversos planos de estabilização adotados em nossa economia revelam que os meses iniciais se caracterizam por uma expansão na demanda de consumo.
Em primeiro lugar, a própria queda da taxa de inflação eleva o poder aquisitivo da classe trabalhadora, especialmente, daqueles segmentos que não possuíam acesso ao mercado financeiro.
O simples fato de que a moeda não se desvaloriza na magnitude que ocorria até junho deste ano, viabiliza uma melhoria da renda disponível e consequentemente um aumento da demanda.
Tradicionalmente, esse aumento da procura concentra-se em produtos mais populares, como por exemplo, produtos alimentícios, vestuário, serviços pessoais etc.
A segunda fonte de crescimento da demanda origina-se em função das novas oportunidades de compras que surgem com o declínio das taxas de inflação.
Não podemos esquecer que a inflação representa uma média das taxas de crescimento dos preços e portanto não significa que todos os preços crescem na mesma proporção.
Apenas para tomarmos um exemplo mais recente, em junho último, a taxa de inflação de acordo com o IPC-Fipe foi de 50,75%. Nesse mês, o crescimento dos preços dos aparelhos de imagem e som foram de 44%.
Portanto, uma aplicação financeira que rendesse apenas a taxa de inflação proporcionaria um rendimento bastante apreciável quando comparada com os preços dos aparelhos de imagem e som. A partir do momento que a taxa de inflação se reduz substancialmente, a rentabilidade relativa desse ativo financeiro comparada com esse produto diminui.
No limite, se não houvesse inflação, o preço dos aparelhos estaria estabilizado e a caderneta de poupança, por exemplo, renderia apenas 0,5%.
Ao observar esse comportamento inúmeras pessoas optam por retirar recursos das cadernetas e comprar bens, normalmente, bens duráveis.
Um outro fator que estimula a demanda refere-se ao melhor planejamento que podemos fazer quando a inflação é relativamente baixa. A possibilidade de utilizarmos prestações fixas e sua adequação dentro do nosso orçamento explicam o aumento nas compras de bens duráveis.
Assim, a medida em que julgamos que o valor dessas prestações são adequadas dentro do nosso orçamento, podemos optar pela compra de um determinado bem.
E, neste caso, não adianta elevarmos os juros, pois, dada nossa memória inflacionária, o que guia a decisão das compras é a noção de que as prestações serão fixas e de outro a insegurança de que eventualmente os preços podem se elevar no futuro próximo.
Evidentemente, os responsáveis pela condução da política econômica preocupam-se com esse fato, dado que eles se traduzem em pressões inflacionárias.
O aumento do compulsório adotado recentemente vai nessa direção de conter o aumento da demanda de duráveis. Por outro lado procura-se induzir os consumidores à postergar suas compras e estimula-los à aplicarem os recursos no mercado financeiro.
Essa estratégia de se procurar conter a demanda não nos parece a mais apropriada. temos de considerar que o aumento da demanda não é tão elevado a ponto de colocar em risco o plano.
Por outro lado, quando os consumidores optam pela compra de um determinado bem, o fazem de uma maneira bastante racional, através das informações obtidas, de suas experiências passadas, sua restrição orçamentária e especialmente, as expectativas que possuem com relação ao comportamento futuro dos preços.
Assim, parece ser mais apropriado adotar medidas que elevem a oferta desse bens duráveis do que tentar conter a demanda oriunda dos milhões de consumidores.
Esse mecanismo de elevação da oferta pode ser obtido, sem grande pressões inflacionárias, se considerarmos o excesso de capacidade ociosa existente em nossa economia.
Por outro lado, não podemos esquecer que os bens duráveis são produzidos em mercados oligopolizados (um pequeno número de grandes empresas responde por parcela substancial da produção).
Assim, parece-nos muito mais razoável coordenar as decisões desse pequeno número de empresários (através, por exemplo, das câmara setoriais) com o objetivo último de elevar à produção, do que propriamente conter a demanda.

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