São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 1994
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Augusto de Campos responde à crítica

AUGUSTO DE CAMPOS

Erramos: 15/09/94

Neste artigo, onde saiu " (...) o articulista se permite alinhavar um expurgo de insultos", leia-se "um enxurro de insultos".
No dia 2 do mês corrente o suplemento "Cultura" de "O Estado de S. Paulo" publicou, sob o título "Crane anda para trás feito caranguejo", longo artigo (duas páginas) onde, a pretexto de criticar uma tradução de minha autoria do poema "Praise for an Urn", de Hart Crane, o articulista se permite alinhavar um expurgo de insultos e grosserias a meu respeito, com a clara intenção de injuriar-me e de tentar denegrir a minha reputação de escritor. O artigo foi produzido com estardalhaço, objetivando nitidamente escandalizar, dando à estampa uma fotografia minha junto a toda sorte de afrontas e com reprodução, sem consulta prévia e sem autorização, de meu trabalho literário, ainda inédito em livro e apenas divulgado, como colaboração especial e exclusiva, em outro periódico.
Nada mais natural e legítimo do que as diferenças de opinião no mundo das idéias e da literatura. Não se pode confundir, no entanto, divergência com violência e crítica com coice. Não é dessa forma que se enriquece o debate cultural. Com mais de 40 anos de atividade poética, e mais de 40 livros publicados, dois terços dos quais dedicados à tradução de poesia, uma bagagem literária abismalmente superior à do desprezível e obscuro articulista, meu gratuito desafeto, e à do seu padrinho, editor deste suplemento, ambos aspirantes ressentidos a poeta e tradutor, estou certo de que não mereço a infame tentativa de linchamento intelectual de que fui vítima e me sinto à vontade não só para repudiar esse injusto tratamento como para recusar-me a trocar argumentos com um mero arrivista, um salta-pocinhas internacional, que em vez de ascender por seus próprios méritos, quer conquistar espaço e notoriedade a tamancadas, fazendo uso da tática surrada de provocar e difamar os seus pares mais conhecidos. Sobre a leitura torpe que faz dos meus versos, basta-me dizer com Marcial: "Quem recitas meus est, o Fidentine, libellus: / sed male cum recitas, incipit esse tuus." Ou em tradução sempre livre: "Os versos que citas, Fedentino, são meus: / mas tão mal os recitas que parecem ser teus."
Ao divulgarem sem autorização, desrespeitando a boa ética, o meu trabalho literário, ao lado da mal-ajambrada tentativa de versão do poema de Crane pelo meu antagonista, fizeram-me, no entanto, ele e o editor do suplemento, sem o saber, um favor incomensurável. Pouparam-me de qualquer necessidade de dar resposta casuística a esse destampatório pedantesco mas imperito e inçado de solecismos (como o emprego de "posto que" como locução conjuntiva causal em lugar de concessiva – erro crasso de português). É tão visível a incompetência da tradução do meu detrator, que já na primeira linha converte, grotescamente, o amigo de Crane em um cachopo lusitano ("nortenho" é o natural ou habitante do norte de Portugal...); é tão risível o seu arremedo, recheado de pés-quebrados e de rimas pobres, frouxo e adiposo a ponto de acrescentar ao texto uma estrofe inteira inexistente no original, que não é preciso buscar nenhuma pérola de retórica para retrucar a esse ataque de cólera ao mesmo tempo tolo, doente e cretino –ou numa só palavra-valise: Tolentino. O leitor que julgue.
Colaborador, por muitos anos, do antigo "Suplemento Literário" de "O Estado de S. Paulo", lembro-me com saudade do tempo em que era dirigido por Décio de Almeida Prado, intelectual digno, de conceitos artísticos diferentes dos meus sob vários aspectos, e que acolhia liberalmente nas páginas daquele suplemento as mais diversas opiniões, mas que –estou certo– jamais concordaria com a publicação de matérias de tão baixo teor ético e estético como aquela com que fui agredido.
Quanto ao editor de "Cultura", João Moura Jr., que, escondido no anonimato, orquestrou essa parada de insultos para atingir-me com mão alheia, reinaugurando o jornalismo marrom em nossas páginas culturais, o episódio só evidencia que ele não tem nível intelectual nem responsabilidade para ocupar o posto que ocupa nesse prestigioso jornal. Mostra-se da mesma altura do apagado esboço de poeta e tradutor (alguém conhece?) que irremediavelmente é e sempre será.

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