São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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O pequeno é bonito

LUIZ SALOMÃO

As micro e pequenas empresas empregam 59,4% da população economicamente ativa
"A economia, como a política, só pode ter uma face humana se a deixarem a descoberto, sem máscara."
(Roger Garaudy)
O velho sistema econômico agoniza, corroído nas suas próprias entranhas pelo vírus da insensibilidade, da desumanidade. Nos últimos 60 anos, assistimos não à esperada socialização do capitalismo, mas a sua paulatina e irresistível burocratização.
Gigantescas empresas se tornaram pesadas "tecno-estruturas", para empregar um termo cunhado, em 1968, pelo insuspeito pensador liberal J. K. Galbraith.
Nesse modelo concentrador das corporações sem bandeira e sem pátria, o sistema econômico é inteiramente irracional. Sua voracidade é insaciável.
O poder, centrado na tecno-estrutura, impessoal e antidemocrático, faz do acionista uma ficção, e do consumidor um mero dado estatístico. Raciona o necessário, vende o supérfluo.
Com o advento da Terceira Revolução Industrial faz dos pacotes tecnológicos uma fábrica de desemprego; sucateia o mais rápido possível os equipamentos de produção e de consumo.
É por isso que a Europa, assolada pelo fantasma do desemprego, revive a máxima de J. A. Schumpeter: "Small is beautiful". Dos 14 milhões de empresas, 93% empregam em média nove pessoas, o que representa hoje mais de 92 milhões de empregos e pode salvar a União Européia (hoje com 35 milhões de desempregados) do caos social.
No Brasil e em outros países periféricos este modelo tem sido ainda mais perverso. Com mais força nos anos 70, esse sistema –com o estímulo do Estado e a conivência de uma falsa ideologia desenvolvimentista–, transformou as corporações em oligopólios e cartéis.
Nesse quadro, a micro e a pequena empresas sobreviveram quase que subterraneamente. Mesmo assim, com raras medidas de incentivo, desempenham papel decisivo para manter viva a verdadeira função social da empresa na economia: gerar bens, empregos, impostos.
As micro e pequenas empresas somam hoje 3,5 milhões de estabelecimentos, o que equivale a 98% de firmas industriais, comerciais e de serviços do país; empregam 59,4% da população economicamente ativa, sendo responsáveis por 42% da massa salarial e 20,6% do PIB.
Um projeto nacional que tenha em conta o controle da crise social brasileira, com medidas urgentes capazes de distribuir renda e conter a concentração do capital, não pode ignorar a eloquência desses números.
Incentivar as micro e pequenas empresas no produto e na renda significa gerar mais empregos, por unidade de capital investido, ampliar o mercado e democratizar a sociedade, permitindo a descentralização dos meios de produção e de consumo.
Além disso, dar respostas mais rápidas para políticas de desconcentração urbana e desenvolvimento regional.
Um outro dado significativo reforça esta tese: enquanto na grande indústria um posto de trabalho custa entre US$ 5.000 e US$ 10.000, uma pequena empresa pode gerar um emprego por apenas US$ 500 a US$ 2.000.
Estamos diante de uma opção decisiva para a vida nacional. O Movimento Nacional da Micro e Pequena Empresa (Monampe), que teve apoio irrestrito no governo do Rio de Janeiro e em mais duas ou três administrações estaduais dispensa políticas específicas, paliativos sazonais.
A questão da micro e pequena empresa se vincula a uma política econômica global, a um projeto nacional, que tenha como objetivos primordiais a soberania e a justiça social.
Qualquer política a ser adotada no próximo governo, seja industrial, seja de desenvolvimento regional, seja de distribuição de renda, terá de estar orientada por uma visão de justiça social e de consolidação democrática.
Considerando as micro e pequenas empresas como componentes de uma política econômica global, as medidas de fomento pressupõem duas pré-condições: de um lado, estabelecer parâmetros para a conceituação do que seja micro e pequena empresa; de outro, reconhecer que não podem estar submetidas aos entraves burocráticos das demais.
Nos parâmetros de enquadramento caberiam, a princípio, duas classes: 1) a das microempresas familiares, que compreende as atividades com até cinco empregados, e funcionam no domicílio do empresário ou outras instalações de pequenas dimensões; 2) a das pequenas empresas, compreendendo atividades que empreguem até cem pessoas e que faturem até US$ 500 mil anuais.
Quanto ao aspecto burocrático, a medida mais eficaz começa pelo fim das diferentes instâncias de fiscalização e exigência dos diversos registros a que está submetido hoje o pequeno empresário. Apenas uma única fiscalização e uma única inscrição municipal.
Esta proposta tem caráter essencialmente descentralizador e democratizante: delegar aos municípios a tarefa de regular a atividade econômica de pequeno porte.
Isso nos leva a outra questão central: a do tratamento tributário diferenciado a esses empreendimentos, implícito no artigo 179 da Constituição Federal. Municipalizada a pequena empresa, é natural que ela seja tributada exclusivamente no âmbito municipal. Abolidos todos os demais tributos estaduais e federais aplicados hoje, exceto o Imposto de Renda e que continuaria sendo cobrado.
Há muito mais o que fazer. Mas não se conceber que as atuais relações entre empresas e o próprio Estado sejam saneados como por encanto. É preciso rever o papel do Estado nesse processo.
Um Estado que seja parceiro da empresa, como célula viva do tecido social e não refém das grandes corporações. Um Estado que respeite e privilegie as três dimensões fundamentais da empresa: a econômica, para produzir, com o máximo de eficiência, bens e serviços de utilidade social; a social, para atender ao mercado e oferecer a seus empregados oportunidades de realização pessoal; de cidadania da empresa, como ente que contribui para o processo de desenvolvimento do país, com responsabilidades e direitos.

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