São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 1994
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George Martin trata Gershwin com carinho

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Se eu tivesse de escolher o maior compositor popular do século, teria de ser George Gershwin", disse o produtor George Martin. Sábias palavras –ironicamente ditas por um dos responsáveis pelo fato de uma geração inteira nunca ter ouvido Gershwin.
Martin, antigo produtor dos Beatles, acaba de lançar "The Glory of Gershwin", um CD em homenagem ao compositor falecido em 1937, aos 38 anos, e dirigido ao mercado, por assim dizer, jovem –isso significa que, embora o objeto da homenagem seja alguém que existiu antes de 1987 (segundo o próprio Martin), os artistas presentes no disco são os do momento.
Alguns desses são Elton John, Elvis Costello, Sinead O'Connor, Peter Gabriel, Jon Bon Jovi, Sting, Courtney Pine e alguém estranhamente chamado Meat Loaf (que quer dizer Posta de Carne). O artista principal, o gaitista Larry Adler, acompanha todos os demais. Adler tem 80 anos. Mas os jovens gostam de gaitas. Há quem pense que Bob Dylan as inventou.
O repertório é o melhor Gershwin: 17 grandes canções e mais a "Rhapsody in Blue". Não há reclamações quanto ao tratamento: Martin disse que seria um erro pegar o tesouro de Gershwin e transformá-lo em rock. Mas disse também que cuidou para que ele não ficasse "jazzy" demais.
Esse não é um disco idiota, como o festejado "Red, Hot and Blue", supostamente em homenagem a Cole Porter, feito há uns três anos, nem uma piada sinistra, como a daqueles grupos punk que gravaram canções de Sinatra no ano passado. Comparativamente, é um disco carinhoso, até sincero.
Martin caprichou nos arranjos, com muitos metais e cordas, como essas canções pedem. É claro que, com Sinead O'Connor, "My Man's Gone Now" (uma das árias de "Porgy and Bess") parece estar sendo cantada por uma Bess que, de repente, se materializou num centro espírita –tal a tibieza ectoplásmica de sua voz. E como acreditar no que Robert Palmer diz em "I Got Rhythm", se ritmo é exatamente o que ele não tem?
Um problema para Martin foi o de que, da maneira com que George e Ira Gershwin as escreveram, essas canções falam de sentimentos adultos, só que com um leve e amargo senso de humor. Essa é uma química da maturidade. E alguns desses cantores ainda estão espremendo espinhas mentais.
Elton John, um dos poucos homens do disco com uma voz adulta, sai-se bem em "Someone to Watch Over Me"/"Love Is Here to Stay". Sting ("Nice Work If You Can Get It"), Cher ("It Ain't Necessarily So") e Carly Simon ("I've Got a Crush On You") também não torturam as canções a seu cargo.
E há boas surpresas: Lisa Stansfield em "They Can't Take That Away From Me", o operístico Willard White em "Bidin' my Time" e Issa Van Randwyck em "I'll Build a Stairway to Paradise". Nada para se dar cambalhotas. Apenas sabem cantar e sabem o que estão cantando.
George Martin poderia completar sua penitência junto aos jovens que ele alienou da grande música pré-rock gravando outros discos do gênero. Quem sabe um dedicado a Harold Arlen e outro a Jerome Kern?
Título: The Glory of Gershwin
Artistas: Larry Adler, Elton John, Sting, Cher, Jon Bon Jovi, Peter Gabriel, Carly Simon, Elvis Costello, Kate Bush, Oleta Adams, Willard White, Sinead O'Connor, Robert Palmer, Meat Loaf, Issa Van Randwyck, Courtney Pine
Gravadora: Mercury/Polygram
Preço: R$ 18,00

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